Sunday, September 24, 2006

Não podia concordar mais...


«A guerra acabou George Steiner, um dos últimos casos de cultura e civilidade que interessa ler com atenção, escreveu recentemente um breve ensaio. Sobre a idéia da Europa, intitulado "A Idéia da Europa". Ambição estimável: mostrar como a Europa possui uma unidade cultural e até espiritual que a distingue dos outros cantos do globo. Para Steiner, a Europa, a sua Europa (que, de certa forma, é minha também), surge como herança maior de Atenas ou Jerusalém, ou seja, como herança maior do pensamento racional e das grandes teologias judaico-cristãs. É igualmente um espaço que é possível calcorrear a pé, permitindo um confronto permanente com praças ou pracetas, ruas ou avenidas, que transportam no nome um pedaço de história ou memória. Como se houvesse em cada esquina a sombra inapagável de um passado de mortos.

Mas a Europa é também a Europa dos "cafés": ao contrário do "pub" inglês ou do bar americano, os cafés da Europa não são apenas locais utilitários de bebida ou refeição. São espaços de encontro, romance, discussão ou criação. Espaços de fumo e bebida. Vadiagem, malandragem. E em cada café da Europa existe também a presença invisível dos que o habitaram: Kraus em Viena; Pessoa em Lisboa, Sartre em Paris; e porque a ficção se mistura tantas vezes com a realidade, os gangsters de Isaac Babel nos cafés de Odessa. Porque a Europa dos cafés estende-se da Lisboa de Pessoa à Odessa de Babel.

Leio o pequeno livro de Steiner e não posso deixar de sentir uma certa nostalgia. A descrição do autor talvez seja útil para entender a Europa. Mas que Europa? A Europa do passado? Sem dúvida. Mas sobre a Europa do presente, o sábio George está equivocado. Não apenas pelo declínio cultural que a Europa conheceu depois da Segunda Guerra Mundial, quando o "espírito do tempo" emigrou para Nova York, e não mais para Londres ou Paris. Mas porque na Europa, e sobretudo na Europa dos cafés, dificilmente encontramos o ambiente físico e espiritual que Steiner retrata. A vida intelectual é hoje essencialmente solitária e privada, onde os escribas vão cultivando os seus feudos, e os seus ódios, sob a luz triste da existência suburbana. E sobre beber ou fumar, a maioria dos cafés do continente já foi abolindo o último vício, esperando-se que se ocupe agora do primeiro. Os cafés da Europa serão, a prazo, jardins infantis.

O "espírito do tempo" não emigrou apenas para outras paragens. Ele foi destruindo uma cultura de adultos, entregando as rédeas do mundo à ideologia patética da juventude. Não admira, por isso, que o último passo tenha sido dado nos últimos dias: uma empresa irlandesa publicou um anúncio de emprego. E estabeleceu: fumantes escusam de se candidatar. De acordo com o diretor da empresa, pessoas que fumam não revelam a inteligência necessária para trabalhar no covil irlandês. E cheiram mal. E são insuportáveis para terceiros.

O gesto indignou algumas consciências políticas e uma eurodeputada britânica resolveu levar o caso à Comissão Européia, que pastoreia e vigia a vida do continente. Será legítimo excluir do trabalho alguém que fuma? A Comissão respondeu afirmativamente: a Europa proíbe a discriminação no emprego com base na raça ou etnia; na deficiência; na idade; na orientação sexual; na religião ou nas crenças. Mas não necessariamente quando uma empresa faz juízos objetivos sobre escolhas individuais. O problema já não está na mera possibilidade de proteger os não-fumantes do vício de terceiros, disponibilizando espaço próprio para os últimos. O problema está, tão só, na mera existência dos viciosos, que devem ser erradicados da paisagem comum.

Por favor, escusam de me enviar mensagens indignadas. A guerra acabou e, de certa forma, vocês, fanáticos, venceram. A luta contra o tabaco nunca foi uma luta pela saúde dos "passivos" (o que seria compreensível). Foi simplesmente uma luta contra a liberdade individual em nome de uma utopia sanitária: os fanáticos não desejam apenas que o fumo não os perturbe; desejam que a mera existência de um fumante também não. É a intolerância levada ao extremo e servida numa retórica simpática e humanista. E agora com cobertura legal.

A prazo, essa luta não irá ficar apenas pelo fumo: pessoas gordas; pessoas que bebem; pessoas que desenvolvem atividades sexuais promíscuas; pessoas inestéticas; pessoas que não se adaptam à cartilha higiênica das patrulhas serão enxotadas, como ratazanas da espécie, de qualquer presença visível numa sociedade crescentemente dominada pelo culto da saúde. Seremos como as tribos primitivas, elevando o corpo a um novo deus. Caprichosos e cruéis.

George Steiner, no mesmo ensaio, afirma que a Europa só não morrerá se souber preservar as suas "autonomias sociais": línguas, tradições, liberdades, excentricidades. E, citando o célebre dito de Aby Warburg, relembra que "Deus está nos detalhes".

Pobre George. Pobres de nós. De que vale o otimismo de um sábio quando os bárbaros são recebidos como heróis?»

João Pereira Coutinho, Folha Online

Monday, September 18, 2006

SL Benfica - 1 Nacional - 0




Amigos, tenhamos esperança. O Benfica jogou de camisola vermelha e calções brancos. Logo, subiu a produção de jogo. É irrefutável: o Benfica joga com o equipamento tradicional, joga bem (ou quase).
Forçado, Fernando Santos abdicou do conservador sistema de dois trincos e... ganhou com isso. Karagounis e Nuno Assis à frente do competente Katsouranis; Simão e Paulo Jorge nas alas em apoio ao (pela primeira vez titular) mexicano Kikín Fonseca.
Se Fonseca não demonstrou capacidade (falta de entrosamento? desadaptação ao futebol europeu?) para ser titular do Benfica, Karagounis (de rejeitado a titular) mostrou que é um jogador dificilmente abandonável por qualquer treinador com cérebro. A princípio meio perdido em campo, sem saber muito bem se era um 6, um 8 ou 10, rapidamente o grego descobriu a sua melhor zona de acção e fez jogar a equipa, com a mais-valia de soltar Nuno Assis para um grande exibição.

Gosto de coração de Karagounis. Além da capacidade técnica, tem um jogar potente, de vontade, de garra, que encaixa nas características históricas do jogo benfiquista. É um elemento importante para a época, mesmo que nem sempre jogue de início. Já se sabe que Rui Costa - quando em boas condições - será o dono do lugar 10, mas parece-me que Karagounis não é, nunca foi e não será um playmaker; antes, um 8, um elemento de defesa e ataque, soltando o 10, um Maniche, um Tiago, um Lampard. Não tenho grandes dúvidas de que é essa a sua posição. Assim Fernando Santos tenha cérebro.
Quanto à equipa do Benfica, no todo, não fez um jogo deslumbrante, mas jogou o suficiente (ou mais?) para ganhar, e por mais de um golo. Precupante, talvez, a incapacidade para finalizar na segunda parte. É certo que Simão vem em crescendo (aquela perdida no final do jogo prova-o), que os níveis de motivação não estavam altos, mas - por amor do santo!?!? - tanta produção para um único golo? É pouco. Queremos mais.

Quim (6) - Seguro. Com a confiança do treinador, o internacional português está moralizado. E moralizado, Quim é um grande guarda-redes. Sem muito trabalho, quando foi preciso aplicou-se e esteve bem.

Alcides (5) - Uma exibição esquizofrénica. Se é certo que o brasileiro subiu muitas vezes no terreno, dando profundidade ao ataque encarnado, não é menos certo que perdeu algumas bolas e falhou dois golos (um deles escandaloso). Bipolar.

Luisão (8) - Se não tivesse feito mais nada, o único golo do jogo dar-lhe-ia razão para uma nota positiva, mas Luisão fez mais. Muito mais. Intransponível é o adjectivo. Excelente jogo (mais um). Em grande forma, o internacional brasileiro.

Anderson (6) - Competente. Sem deslumbrar, fez o seu trabalho, sem histerias. Parece, de qualquer forma, menos interventivo que o Anderson da época passada. O jogo do Bessa pode ter deixado marcas.

Léo (7) - Tal como Alcides, uma exibição bipolar. Na primeira parte, defendeu mal e não atacou. Na segunda parte, uma exibição perfeita. Como o que fez na segunda parte supera e muito o que não fez na primeira parte, uma nota acima da média. Com Simão, faz da ala esquerda, um lugar de magia, velocidade e perigo. É um grande jogador. Pena não ter 20 anos.

Katsouranis (6) - É um bom jogador, não há dúvidas sobre isso, mas denotou algum cansaço. Recuperou muitas bolas, mas nem sempre as entregou da melhor forma. Importante, no entanto, vê-lo mais jogos a jogar só, na posição de trinco. O Benfica parece ganhar com um único homem a jogar nessa posição. Um deles terá de ser preterido.

Karagounis (7) - Forte, decidido, pragmático, boa capacidade técnica. O grego que saltou da depressão para o campo de futebol, trouxe ao Benfica bom poder de luta e visão de jogo. É um jogador de progressão. O gladiador é importante para o Benfica 2006/2007. Só um cérebro morto não o compreende.

Nuno Assis (8) - Tantas vezes incompreendido, Assis mostrou-se tal qual é: um bom 10; um bom tecnicista, com excelente visão de jogo, bom passe e (surpreendentemente!) excelente forma. Correu quilómetros; fez jogar quilómetros. A alternativa a Rui Costa ou ... vice-versa. Excelente exibição.

Paulo Jorge (6) - A garra do costume, a entrega, a abnegação, mas também a mesma falta de eficácia. Muito mal na concretização mais uma vez (após passe de Nuno Assis), Paulo Jorge manchou a correria e dignidade que manteve durante todo o jogo. Parece ser, de qualquer forma, melhor opção que Manu.

Simão (7) - Ainda sem o ritmo que se lhe exige, Simão revolucionou o futebol encarnado. É um jogador de eleição, e o Glorioso precisa dele. Excelente nas bolas paradas (uma delas deu o único golo do jogo), a subir no um-para-um, corre para o jogo contra o Manchester. O capitão está de volta. Pena não ter marcado. No último minuto, então, era só encostar...

Kikín Fonseca (5) - Fraco. Lutou, mas sem demonstrar capacidade para fazer frente aos centrais do Nacional e... a Nuno Gomes e Miccoli. Falta-lhe capacidade para surpreender. Pode ser que não esteja ainda habituado ao futebol português. Ou não.

Miccoli (3) - Pouco tempo em campo. Lutou, está mais leve, mas longe do grande jogador que é. Um remate que um defesa madeirense interceptou e pouco mais...

Mantorras (3) - Pouco tempo, também. Conseguiu, ainda assim, fazer mais do que o mexicano: uma cabeçada em direcção à baliza. O São Pedro desta vez não empolgou o público.

Miguelito (2) - Nervoso, perdeu algumas bolas; esteve, no entanto, bem em dois cruzamentos. Precisa de minutos.

Sunday, September 17, 2006

The English Patient, 1996, Anthony Minghella




Katharine Clifton: My darling. I'm waiting for you. How long is the day in the dark? Or a week? The fire is gone, and I'm horribly cold. I really should drag myself outside but then there'd be the sun. I'm afraid I waste the light on the paintings, not writing these words. We die. We die rich with lovers and tribes, tastes we have swallowed, bodies we've entered and swum up like rivers. Fears we've hidden in - like this wretched cave. I want all this marked on my body. Where the real countries are. Not boundaries drawn on mapswith the names of powerful men. I know you'll come carry me out to the Palace of Winds. That's what I've wanted: to walk in such a place with you. With friends, on an earth without maps. The lamp has gone out and I'm writing in the darkness.

Sunday, September 03, 2006

Quero Voar, José Gomes Ferreira





Quero voar
- mas saem da lama
garras de chão
que me prendem os tornozelos.

Quero morrer
- mas descem das nuvens
braços de angústia
que me seguram pelos cabelos.

E assim suspenso
no clamor da tempestade
como um saco de problemas
- tapo os olhos com as lágrimas
para não ver as algemas.

(Mas qualquer balouçar ao vento me parece Liberdade)

É Talvez O Último Dia Da Minha Vida, Alberto Caeiro




É talvez o último dia da minha vida.
Saudei o sol, levantando a mão direita,
Mas não o saudei, dizendo-lhe adeus,
Fiz sinal de gostar de o ver antes: mais nada.