Friday, May 30, 2008

O Debate Quinzenal

A tarde estava triste. Não chorava mas envolvia-nos com aquele bafo frio de nuvens densas, a que é costume chamar-se de "um dia de merda". As pessoas, no entanto, pareciam não estar preocupadas. Afinal, o dia era de Debate quinzenal! Logo muito cedo começaram a chegar à Praça de São Bento os costumeiros vendedores de cachecóis com as famosas imagens da Assembleia e as bandeiras a vermelho, com a cara do melhor jogador da casa: José Sócrates, exímio driblador de questões incómodas e maestro na arte de, no semi-círculo de discussão, falar mais no que as equipas adversárias não fizeram no passado do que debater os assuntos da sua própria equipa - um génio com a gravata ao colarinho. Confesso que estava nervoso. Era a minha primeira experiência na "Casa da Democracia" e tinha sérias dúvidas sobre as prestações de António Pereira Coelho e de Ribeiro Cristóvão. Sobre o primeiro, a minha inquietação maior residia em saber se seria capaz de servir de tampão às transições económicas a que, muito provavelmente, estaria sujeito por parte da bancada adversária; já sobre o segundo, questionava-me se seria homem capaz de funcionar, em apoio, com profundidade na hora de assistir o nosso grande goleador. Para acabar com o nervosismo, eu e uns amigos, empolgados pela multidão eufórica e por uma sede indesmentível, estacionámos ao pé de uma barraca de cerveja e ali ficámos, em alegre cavaqueira, até perto do início da contenda. Estava um ambiente algo conturbado: viam-se, ao longe, os primeiros adeptos socialistas e, não fosse a imediata intervenção da autoridade, teríamos saído dali todos à batatada - continuo a dizer que as Juventudes em nada dignificam a Política, são bandos de delinquentes sempre em busca de motivos para a violência. É certo que apoiam, que gritam muito, que têm barba e que têm megafones, é certo também que, na arte da demagogia e ignorância mais suja e mais baixa, eles são peritos - afinal, estão bem instruídos desde muito novos, logo que entram nas faculdades. Por mim, deixava a política entregue aos adeptos, apenas e tão-somente aos adeptos apaixonados pelas causas; os que se sentam nas tribunas do Parlamento, não gritam e são civilizados.
Quando faltava meia-hora para o debate, acabámos a cerveja de um trago e dirigimo-nos para a entrada. Como tínhamos bilhete, estávamos tranquilos e não havia motivos para preocupações, certo? Errado. Hoje em dia, já não se pode ir à política sem que sejamos apalpados por todos os lados e olhados com descrença por energúmenos de coletes fluorescentes, como se fôssemos alguns criminosos que decidiram ir ver política, sem outro intuito que a violência gratuita. Senti-me indignado! Para além da normal apalpadela, ainda me retiraram dos bolsos um isqueiro que o PSD de Abrantes me tinha dado há mais de 10 anos, o mp3 que tinha uma música cubana sobre o "Comandante" e a fita no cabelo por revelar - nas palavras do energúmeno e cito - "razões suficientes para uma batalha campal, devido à cor alaranjada". Bom, lá entrei sem isqueiro, sem mp3 e com o cabelo desgrenhado, na esperança, porém, que o debate valesse a pena e pudesse esquecer mais uma atribulada entrada no semi-círculo do poder.
Chegados, o mesmo de sempre: alguém estava sentado na minha cadeira. Blá, blá, blá, "o seu lugar é na tribuna em cima do Luís Fazenda", "não é nada, é perto do Portas", "é sim, veja, A 22, lugar 18, tribuna bloquista". Lá saiu o barbudo, com cara de quem não comia, não dormia e não f... ingia há uns bons meses e eu, finalmente, pude encostar-me e esperar o espectáculo. Meus amigos, e que deprimente foi! Sócrates, na zona central, felizmente não fez um único passe a rasgar a bancada da direita; sempre em movimentos circulares, atirava para trás, grunhia para a frente, voltava a meter a bola no passado, chegava-se à entrada do semi-círculo direito mas logo recuava e voltava a empatar o jogo. Do lado da nossa equipa, um jogo de cintura assinalável; muita táctica, muito empolgamento, muito sorriso irónico, mas política... nem vê-la. Parecia que nenhuma das duas equipas queria ganhar. Absurdo! O mais interessante da contenda foi observar como anda o "Sistema" por estes dias em Portugal. Meus amigos, a arbitragem foi escandalosa, do princípio ao fim! Jaime Gama, que já me estava atravessado desde aquela ida a um mercado, em que não beijou nenhuma das peixeiras, foi igual a si mesmo: gritante desigualdade de critérios, autoritário em demasia com os nossos e caseirinho como sempre. Há um lance no debate que não deixa dúvidas a ninguém: quando Pedro Santana Lopes se preparava para rematar contra a baliza de Manuel Pinho, atirando-lhe com um remate em "os portugueses não têm dinheiro para comer", aparece Pedro Silva Pereira, já na primeira bancada à entrada para o átrio, que ceifa o nosso líder parlamentar com um "não diga mentiras, pá!". Punições? Nada! Nem um "Ministro da Presidência, estamos na Assembleia da República", quanto mais um "Pedro Silva Pereira, faça o favor de abandonar o Parlamento e ir tomar banho mais cedo". Escandaloso! Mais tarde no debate, já perto do fim, outro lance em que Jaime Gama, arguido no processo "Apito socrático", mostrou toda a sua tendência para a equipa da casa: estava Alberto Martins a gastar tempo, tecendo loas infinitas ao goleador José Sócrates, quando do seu lado direito um seu companheiro de bancada se vira e diz: "muito bem, muito bem", aplaudindo, meus amigos, aplaudindo! O que fez Jaime Gama? Fingiu não ouvir nada e foi complacente: "faça o favor de terminar, deputado Alberto Martins". Se isto não é um roubo de Parlamento, então não sei o que é! Muito triste. Assim não vale a pena vir à política. Se é para isto que sofremos e gastamos dinheiro, quando podíamos ter ficado em casa, confortavelmente a ver o debate pela televisão, então não vale a pena.
Quando acabou o debate, ficámos algum tempo a olhar no vazio - com aquela cara anestesiada de quem acaba de ver um debate de merda e não ganhou - e à espera que os adeptos da casa saíssem. Para meu espanto vejo, no interior do semi-círculo, Sócrates e Santos Silva numa galhofeira pegada sacarem de um cigarro e começarem a fumar em pleno terreno de debate. Eu, que tinha ficado sem isqueiro e farto de andar a fumar ao frio, sempre que me decido a sair de casa e quero - veja-se a heresia - ir comer fora, questionei o segurança que, com um ar sábio e algo arrogante, me respondeu: "Devem ter fretado a Assembleia". E eu tudo bem.

Sunday, May 25, 2008

Isto é bom. Tão bom que é crime não ler. Dá 300 anos de ignorância. Com bom comportamento, talvez chegue metade da pena. Mas só em Portugal. Ou no Brasil.

Eh pá um espanhol... mas em bom.

Com um treinador chamado Flores, parece-me que tanto o Nuno Gomes (maria amélia) como o Di María têm razão para sorrir: a cumplicidade feminina com o treinador fá-los-á titulares, com toda a certeza...

Mais a sério: acho que foi uma boa escolha. E, acima de tudo, gostei do discurso. Faço a tradução de treinadorês-realidadês: "Ó meus estúpidos e imbecis adeptos de um grande clube que está em ruínas: vamos trabalhar muito e bem para sermos vencedores mas, NÉSCIOS e broncos, vocês têm de perceber, nessas cabeças de atrasados mentais, que estamos num processo de criar uma grande equipa, com tempo e competência. Por isso, filhos da puta boçais, vamos ter calma e se não ganharmos este ano, ganharemos nos próximos. Importante é que vocês se deixem de merdas e, em vez de serem estúpidos e pedirem a minha cabeça nos primeiros meses, ganhem inteligência e acreditem neste projecto."

Eu gostei. Acho que, pela primeira vez na História do Benfica, alguém chegou e disse: o primeiro objectivo do Benfica, para este campeonato, NÃO é ser campeão. E isto, no Benfica, como se sabe, pode ser o primeiro indício de que seremos campeões.

Força Flores!

Friday, May 23, 2008

O escriba que jogou com Deus conta-nos tudo...






T
wenty years ago today the hand of God smote England

My entire qualification for writing this column is that on that day, at that time, I was there. And I

must say that I was bored stiff because we couldn't get a grip on the match. When we wanted to play fast we were inaccurate, when we wanted to be accurate we were tedious. Eleven functionaries on each side trying not to make a mistake.

On a day like that nobody expects a visit from history, but in that office full of bureaucrats there was one crazy man capable of anything. A crazy Argentinian, to boot. It is important to consider the nature of that person because, from that day on, Maradona and Argentina became synonymous. We are talking about a country with a clearly extravagant relationship with football, a country which made a deity of a footballer with a decidedly extravagant relationship with football. And that afternoon, which began so boringly, Maradona made extravagant through football and through Argentinian character.



Divine intervention

It all began with a long slalom, which was Maradona's natural way of running with a ball. Just before he reached the area, he found only opposition legs in his way and, seeing no way forward, knocked the ball up to me and looked for the return.

The problem I had playing with Diego as a team-mate was that he turned you into a spectator and, when he passed you the ball, it took a moment to remember that you were like him - a footballer. Well, perhaps not like him, but a footballer none the less.

The fact is that when I woke up, I shook a leg to try to play the one-two but did it so unskilfully that the ball was knocked forward by my marker. Looking at it in perspective, it was a smart move on my part because if I had touched it Maradona would have been offside. The fact is that nobody recognised my singular contribution, partly because I fell to the ground so clumsily that it embarrasses me to remember.

Fortunately, the eyes of the people were not on me. Because from the ground myself, and the rest of the world, from wherever they were, saw that ball rise in slow motion and then begin to come down on the edge of the six-yard box where Peter Shilton and Maradona went to challenge for it in the air. There something happened which I couldn't understand but which was called a goal and had to be celebrated as wildly as such an unpleasant match, a World Cup, England deserved. Maradona ran and celebrated without much conviction, as if his cry contained a doubt within. Strange goal, strange cry - I still didn't understand much until I got to the huddle and found out why.

From my position I suspected that Diego could not have reached up there with his head but at no point did I see his hand, nor God's. Any ethical scruples? Twenty years on we can have them, but at that moment we only felt joy, relief, perhaps a forced sense of justice. It was England, let's not forget, and the Malvinas were fresh in the memory.

In the days before the game I said that we had "a good opportunity to confound the idiots" but that was just playing the intellectual. When emotions come into the equation, nearly all of us are idiots. Also we shouldn't forget that we were Argentinians, representatives of a country that rationalises with the word "exuberance" what in other places is called cheating.



The other goal

The office was now turned upside down but the crazy man had only just begun. Shortly afterwards he received a very difficult ball in the middle of the pitch with his back to goal. He turned, took off and got into a series of tight scrapes from which he escaped perfectly.

I was accompanying him level with the far post as if I were a television camera tracking him. Diego assures me that he meant to pass to me several times but there was always some obstacle that forced him to change plans. Just as well. I was dazzled and I thought it was impossible (it still seems that way to me) that in the middle of all those problems he would have had me in mind.

If he had passed me the ball as it seems Plan A called for, I would have grabbed it in my hand and applauded. Can you imagine? But let's not deceive ourselves, I am convinced that Diego was never going to release that ball. Throughout those 10 seconds and 10 touches, he changed his mind hundreds of times because that's how the mind of genius in action works.

That celebration that put intelligence, the body and the ball in tune was an act of genius - but also in the most profound way, in footballing terms, of being Argentinian. What Maradona was doing was making Argentinians' football dream a reality: we love the ball more than the game and, for that reason, the dribble more than the pass.

When the ball went into the net I knew, in that instant, we were present at a moment of great significance: Maradona had just put on Pele's crown. Aware of the historical moment in which I was living, I did something that humanity has still not recognised. I, ladies and gentlemen, took the ball out of the net where Maradona had put it. The focus, fortunately, was still elsewhere. In fact, 20 years on, the ball keeps going into the net time and again in the memories of those who love football . . . and there was me thinking I'd taken it out. Jorge Valdano


Sunday, May 18, 2008

O tipo que vinha salvar o futebol português

Um homem que está em vários cargos - e que, portanto, tem de falar sobre vários assuntos - está muito bem e muito protegido. Tendo de falar sobre vários assuntos, não fala em nenhum. É a velha conversa do tipo que fala e não diz nada. Mas este leva aura de salvador do futebol português, dizem eles. Quem é que diz? Pois, os mesmos de sempre. Diz-se que veio revolucionar o futebol português, que, finalmente, trouxe alguma verdade à mentira que grassa(va) por estes meios desportivos. O que é que ele fez até agora? Atirou com o Boavista para a segunda divisão (sem que o Marítimo, que, segundo as leis, cometeu as mesmas ilegalidades, fosse punido de igual forma) e castigou o clube corrupto com 6 pontos (num ano em que são totalmente irrelevantes para o contexto), igual punição que teve o Belenenses por jogar com um jogador que não podia jogar. O Loureiro salvador? Deixem-me rir. É mais um agarrado aos tachos. E consta que nem sabe cozinhar...

Monday, May 12, 2008

Obrigado Rui... e Léo.

Acabo de chegar do Estádio. Ainda trago comigo a mistura de sentimentos que este dia, este jogo, esta despedida me trouxeram. Se, por um lado, assisti a uma celebração de um fantástico jogador, e o seu fim de carreira, por outro não param de assaltar-me as imagens a que, no fim do, jogo assisti. Imagens essas de um contraste absurdo, dignas, claro, de tudo o que o futebol pode oferecer: de Rui Costa, idolatrado até ao âmago por toda aquela gente, aplaudido, gritado o seu nome, cantadas as suas músicas mas também de Léo, de tronco nu, no meio do relvado, sozinho, encaminhando-se, a passos curtos, para o balneário. Não deixei de pensar - e ainda estamos para saber se será, de facto, assim - que aquela também era a noite de despedida do brasileiro e fiquei triste. Fiquei triste porque Léo, no jogo de hoje e quase sempre nos 3 anos que representou o Benfica, foi sempre o elemento que mais correu, mais quis vencer, mais lutou, menos erros cometeu. Durante estes 3 anos e hoje, no jogo de hoje, foi ele, como sempre, dos que mais carrega aquela camisola com orgulho.
Falo-vos deste contraste e não quero, de modo algum, ferir susceptibilidades: basta dizer isto: apenas e tão-só isto: Rui Costa foi e é o maior ídolo que eu tive, enquanto jogador benfiquista que eu vi jogar. Não pretendo "ensombrar" a noite de despedida do Maestro; quero, antes, deixar-vos com estas duas imagens, tão díspares, que hoje vi no Estádio da Luz. Para que pensemos. Pensemos no valor do passado e no respeito, admiração e memória que deve sempre haver num clube como o nosso, o glorioso, mas pensemos também que sem ambição pelo futuro, sem critérios definidos baseados na competência, no profissionalismo, na real valia de quem nos representa, seremos "apenas" um glorioso clube que já foi.