Saturday, May 02, 2009

O dia do trabalhador

Qualquer dia, um dia destes, um dia qualquer no próximo século, não tem de ser já, hei-de ser porteiro de uma discoteca concorrida de Lisboa. Não é pelo dinheiro, que até acredito que seja interessante, nem é pela possibilidade de dar dois murros bem dados em gente imbecil, é pela questão do poder. Pura e simplesmente, o poder, sim. Não há gente mais poderosa nos dias que correm, tirando os arrumadores, que os porteiros. É poder por todo o lado e mesmo assim – e era aqui que eu seria vanguardista na arte – são todos macambúzios. Ao menos, se fosse eu o porteiro, ria-me de vez em quando, quem sabe não faria mesmo uma mini-actuação circense enquanto os bêbedos esperavam a sua entrada; cuspia fogo, engalfinhava 3 litros de cerveja em 10 minutos, despia-me, fazia o pino, entregava pizzas, cantava o fado, todo um manancial de possíveis diversões que os porteiros andam a desperdiçar com aquele ar sombrio de quem acabou de cagar as twin towers.
Isto, perguntam os leitores, vem a propósito de quê? Vem a propósito, queridos 3 leitores, da noite de quinta-feira, véspera do dia do trabalhador, noite no Cais Sodré, Musicbox, gente por todo o lado e uma fila. Uma fila que ia, de pirilau, desde o túnel até ao outro lado, ao Liverpool. Magotes de bípedes, quase todos entornados, olhando esperançoso para a porta da discoteca. Talvez pensando que um dia, um destes dias, um qualquer dia no próximo século, iriam finalmente poder entrar, beber um copo e dançar. Ideia de tal forma absurda que desde logo foi sendo aniquilada pelos porteiros do dito estabelecimento, enquanto iam abrindo cordinhas para os amigos passarem. E se eram muitos, os amigos! Dava para encher o Estádio da Luz com os amigos que os porteiros iam deixando entrar e talvez sobrassem ainda umas centenas para irem comprar roupas à Zara do outro lado da avenida.
Nisto estávamos, enfiados no pirilau da fila, anónimos sem capas vip nem cocaína para suborno, quando a lógica abstracção da noite ébria me deu a ideia – genial, admito – de ir beber um copo ao bar ao lado do Liverpool e dar tempo ao tempo, que os outros, os que estavam connosco, faziam o obséquio de pirilar. Copos aqui, cigarro acolá, mija nas escadas, tempo para fazer tempo para chegar a tempo de entrar no antro da caixa de música, conversa, isto e aquilo, pede lá mais uma, quanto é?, se calhar vamos ter com os gajos, se calhar já entraram, é chato eles estarem lá e nós aqui, esta está fresquinha, olha os gajos à espera mas esta está a entrar bem, fumamos só mais este e depois vamos. Fomos. Os bípedes tinham conseguido andar dois metros. Ficámos muito felizes e quase agradecemos ao porteiro tão grande gentileza de ter deixado entrar umas 7 pessoas em 40 minutos. Obrigado, porteiro.
Depois de 20 minutos a ter sede, conseguimos entrar. 8 euros para duas imperiais mijadas mas tudo bem, o que vale é que dia do trabalhador. Pista de dança, olhar em volta: o Sam the kid observava sobranceiro os restantes bípedes, Leonor Pinhão bebia o 50º vodka tónico da noite enquanto, no palco, à frente das imagens que pretendem ser alucinantes, João Botelho e uma corja de actores dançavam desenfreadamente levados de mansinho na crista daquele pó que é muito bom para as rinites alérgicas. Olha ali o gajo dos Cool Hipnoise de fato Gucci! E ali, naquele canto, o Rochemback com duas companhias voluptuosas, além da barriga! Viste a Beatriz Batarda? Não vi, não, que estava empenhado em conseguir em simultâneo dançar e segurar a imperial de forma a que não fosse ela a beber-me.
Gastas as rifinhas alcoólicas, mais uns passinhos de dança nos meus 30 centímetros quadrados de espaço, e a melhor ideia da noite: e se a gente bazasse daqui?
O porteiro desejou-me uma boa noite e agradeceu-me. São muito simpáticos os porteiros.