Eram talvez dez da noite e as horas não interessavam. Abri a janela, no
nariz alentejano do meu avô passou uma brisa, um cheiro a luzes e a
Lua. Cheirava a estrelas. Os olhos incendiados de despedida. O meu corpo
a abraçá-lo como se eu é que fosse o avô do meu avô. Era noite, a vida
estava quase a fechar, e os seus olhos abertos para a última imagem: um
céu cheio de pirilampos. Apertou-me o braço, sorriu-me, olhou-me com
olhos de criança e eu levei-o à cama para o aconchegar no sono dos
sonhos dos sonhos do sono.
Se a vida fosse perfeita como nos maus filmes, então eu teria posto o Carlos do Carmo, que era um amor do meu avô e que também é um amor meu por causa do meu avô. Na sala a respirar o odor da terra do caminho que vai da vida para a morte, em loop o final da «Madrugada»:
«Mas quase, ao romper da aurora, há uma guitarra que chora: saudades da minha vida.»
Se a vida fosse perfeita como nos maus filmes, então eu teria posto o Carlos do Carmo, que era um amor do meu avô e que também é um amor meu por causa do meu avô. Na sala a respirar o odor da terra do caminho que vai da vida para a morte, em loop o final da «Madrugada»:
«Mas quase, ao romper da aurora, há uma guitarra que chora: saudades da minha vida.»