Friday, September 07, 2007

Lembro-me que era Sábado. Não havia no dia nada de novo. A sala estava quieta, com os vestígios de Sexta-feira em cima de uma mesa. Se parasse e olhasse com atenção, poderia adivinhar pequenos gestos que tinham sido feitos na noite anterior: o movimento dos braços e mãos a segurar cigarros, da boca para o ar, do ar para o cinzeiro, pousando a cinza na cama de vidro; uma capa de um disco parada, em cima de um sofá (o disco saindo da capa, pelas mãos levado ao gira-discos, pelo ar enchendo a sala de som); três copos com uma réstia de vinho no fundo, um no chão, outros dois juntos em frente à travessa que - imagino - seria de um bolo de chocolate; livros de poesia no chão e imaginar os livros abertos, na mão de alguém, enquanto as palavras ordenavam silêncio a quem ouvisse. Era Sábado, mas a sala estava ainda Sexta-feira. Sentei-me no sofá e fiquei imaginando mais e mais movimentos, gestos, pequenas conversas, a disposição das cadeiras, as pessoas levantando os pratos, recolhendo a cinza dos cinzeiros, arrumando os discos, limpando os copos, despedindo-se, e alguém que, em silêncio, fechou a Sexta-feira naquela sala. Levantei-me, olhei em volta. Assinei a parede: Sábado, e fui tomar banho.









Para quem chega de viagem, a vida - tal como ela era - já não existe. A transformação do mundo, enquanto estivemos fora, deu-se a uma velocidade exasperante. Nada está no lugar. As casas, os rios, a cidade vista de cima, continuam os mesmos, mas há um novo acordar: os olhos: a vida: os olhos: os olhos: os olhos. Da visão que tínhamos, sobra um resquício; o resto é novo. Viemos com as pessoas que conhecemos no horizonte e o horizonte alarga-se à nossa frente. Viemos com os lugares onde estivemos e, debaixo de nós, vemos abrir-se um e dez e mil novos poços de água, onde podemos ir para um mergulho nocturno. Da terra que deixámos (e à qual voltamos), a presença apenas de uma fronteira, de uma linha invisível de separação, já orfã dos olhares antigos. Agora, o mar abre-se-nos como se nunca tivessemos sido outra coisa senão caravela. Somos navegar e navegamos. Dentro e fora de nós, navegamos. E viajamos e vagueamos e vagabundeamos. E anoitecemos e amanhecemos e renascemos. Todos os dias. Os países somos nós.