O alentejano rude, corajoso e sonhador que parte para Lisboa é um homem para o qual o espaço que o envolve é já demasiado pequeno para o mundo que possui no interior do seu sangue. Há um oceano de vontades no coração daquele homem. Não é – como alguém quis fazer entender – um Portugal desanimado nas suas entranhas e animado para uma diáspora. Este homem, se personifica alguma coisa, personifica, antes, a ideia de um país com uma alma demasiadamente grande para o território que ocupa. Transborda-se-lhe alma. Não é um ser frio, agarrado aos ideais e às loucuras; é um emotivo tolo, um louco em busca do que os seus sonhos imaginam. Há nele um canto mais alto, uma vontade suprema, a fisiologia de um guerrilheiro, enquanto vagueia por terras orientais, forjando, matando, consolando, amando. Este homem é como nós e não é como nós: o seu espírito envolve-se com a realidade num todo, paradoxo realista de que a nossa vida (a de todos) se distancia. O contacto feroz entre o real e o sangue, neste Senhor Ventura, ultrapassa-nos, comove-nos, humilha-nos. Nós não somos o Senhor Ventura. Para o bem e para o mal. E no entanto, que vontade de o sermos…
Ao longo do livro a ideia de que a personagem é linear adensa-se até meio; a partir daí notamos a sua total volatilidade, o seu humanismo desenfreado, mal construído, incongruente. Dilacerante, desconcertante. O Senhor Ventura desconchava toda a possibilidade de perfil exemplificativo: é um louco cirandando ao ritmo das suas loucuras, um anjo viril, um assomo de bestialidade e poesia.
Não há, no livro, outro trecho que de forma tão certeira nos apresente o Senhor Ventura do que aquele em que o autor nos revela a estupefacção de Tatiana – mulher inteligente, mas desprovida de emoção e generosidade – ao entender a substância de que é feito o alentejano da diáspora:
“A mulher olhou-o demoradamente. Não era fácil de compreender semelhante mistura de ferocidade e traficância, grandeza e lealdade. A sua inteligência fina, perspicaz, esbarrava diante de tamanho muro. Não quisera ou não pudera amá-lo. E sem amor não se podia entender nenhuma criatura.”
Ao longo do livro a ideia de que a personagem é linear adensa-se até meio; a partir daí notamos a sua total volatilidade, o seu humanismo desenfreado, mal construído, incongruente. Dilacerante, desconcertante. O Senhor Ventura desconchava toda a possibilidade de perfil exemplificativo: é um louco cirandando ao ritmo das suas loucuras, um anjo viril, um assomo de bestialidade e poesia.
Não há, no livro, outro trecho que de forma tão certeira nos apresente o Senhor Ventura do que aquele em que o autor nos revela a estupefacção de Tatiana – mulher inteligente, mas desprovida de emoção e generosidade – ao entender a substância de que é feito o alentejano da diáspora:
“A mulher olhou-o demoradamente. Não era fácil de compreender semelhante mistura de ferocidade e traficância, grandeza e lealdade. A sua inteligência fina, perspicaz, esbarrava diante de tamanho muro. Não quisera ou não pudera amá-lo. E sem amor não se podia entender nenhuma criatura.”
Repito: e sem amor não se podia entender nenhuma criatura.