Tuesday, November 27, 2007

Importa?

Não há melhor exemplo que explique o fanatismo e a irracionalidade dos adeptos de futebol (e do seu clube) do que a forma de funcionar do Benfica actual. Que importa se a equipa joga aos tropeções, sem leis, sem uma ideia minimamente construída sobre a evolução da bola em campo, que importa se Camacho erra consecutiva e permanentemente no pensamento do jogo, que importa se desloca Rui Costa para extremo direito, se joga com Luís Filipe a titular, se escolhe Maxi Pereira para acelerar o jogo à direita, que importa se Adu é imaturo para o espanhol e Di Maria não, se não entendeu a lição mais básica da equipa que é a de que Cardozo não deve nem pode jogar sozinho, feito gigantone perdido no mundo de anões, na frente de ataque… se a bola, caprichosa, teima em furar as redes adversárias a cinco minutos do fim, numa ousadia sádica e brincalhona? Sim, que importa tudo isso, se o Benfica ganha?

Camacho – já se sabe – não é nenhum génio do futebol, não o foi como jogador, não é como treinador. Camacho é, aliás, muito pouco genial em tudo o que faz, a forma emotiva e aos soluços com que gere o jogo do banco prova-o, irrefutavelmente. Corro o risco de dizer que – na teoria – eu saberia colocar as peças no rectângulo de jogo (no FM sou um génio, tenho posições e setinhas construídas de forma a que a equipa funcione na perfeição, a liberdade nas alas própria do perfume sul-americano, atacantes possantes ao estilo italiano, um criativo na zona de magia, laterais alemães, guarda-redes checo, futebol de eleição) de uma maneira muito mais inteligente do que aquela que, semana a semana, o espanhol teima em fazer, mas… que importa? Se, de repente, um guarda-redes sai desvairado da baliza, se de repente uma bola ressalta e pára na zona de penalty e encontra um central desajeitado de frente para ela e de costas para a baliza, se esse central tem cabeça de melão e calcanhar de força, se a bola vai (não sem antes sofrer um desvio para o cantinho das redes por parte do tal guardião) para a baliza, que importa? O golo foi consumado, a multidão saltou, saltaram os cachecóis, saltou aquele velho sentado no sofá, o prédio saltou, o país saltou, saltou o empate para a vitória. Importa a táctica, num momento desses? Importa. Mais cedo ou mais tarde, a táctica vai exigir explicações, mostrar-se ofendida por tão desinteressado desdém com que a brindam, com que Camacho a brinda, semana após semana. Pode, então, criticar-se Camacho? Arrisco, com a permissão dos benfiquistas, a heresia:

O plantel do Benfica resume-se a isto: três ou quatro jogadores experientes, um génio, quatro ou cinco jogadores de talento ainda por lapidar e vinte jogadores medíocres. Suficiente? Insuficiente, mas a vontade (dê-se essa valia ao espanhol) e uma luz mística do Espírito Santo têm suprido as óbvias limitações do plantel. Lembro-me várias vezes de treinadores com equipas medíocres que conseguiram ter grandes êxitos e tenho a esperança de que este seja o caso, mas não é. Camacho não consegue aproveitar o (pouco) que tem. Olhando para os jogadores à disposição, uma ideia nasce logo e chama-se 4-4-2. Com um ponta-de-lança como Cardozo e outro como Nuno Gomes, com Bergessio (eu, ao contrário da maioria, acredito neste argentino) e ainda com Mantorras, com Rui Costa com 35 anos – ou seja, necessitado de uma boa solidez atrás de si e ao mesmo tempo de largura e gente na frente para espalhar a sua arte – com um extremo esquerdo que deambula em diagonais como Rodríguez, com o génio enlatado na juventude de Adu e Di Maria (e, quem sabe, de Coentrão), com defesas sólidos e laterais ofensivos (penso em Nelson para a direita; Léo, esse, não necessita de apresentações), que sistema, meu santo protector, que sistema melhor do que o belíssimo 4-4-2, clássico ou em losango? Mas não. Camacho aposta numa espécie de 3-3-2-1. 3-3-2-1? Eu explico: 3 (Léo, David Luís e Luisão; Luís Filipe é invisível, não existe, ou quando existe é para fazer passes geniais para os atacantes adversários ou os deixar correr sozinhos até à linha de fundo) 3 (Petit, Katsouranis e Maxi Pereira (sim, Maxi é muito mais um médio defensivo no esquema de Camacho do que um extremo direito, anda para ali, a tapar buracos e a não fazer o que se lhe exige e que ele não pode dar, que é abrir na ala direita) 2 (Rodríguez e Rui Costa, deambulam os dois, e têm salvo a equipa) 1 (umas vezes Cardozo, outras Nuno Gomes, parece que a Camacho causa aversão jogarem os dois, quando obviamente são jogadores que necessitam um do outro, um porque precisa de ter alguém ao seu lado que recolha as bolas que cabeceia, outro porque sempre rendeu mais com um atacante fixo ao lado). A lógica se mandasse (mas atenção… ela foi desprezada) dir-nos-ia para aplicarmos a este grupo de jogadores um 4-4-2, mas Camacho descobriu o 3-3-2-1 e parece que vem para ficar. Tenhamos pena e compaixão. Reze-se para que a luz divina continue a iluminar estes homens, até ao dia (que não estará longe) em que a bola não entra nos últimos cinco minutos. Fica a pergunta: e nesse momento, o que fazer? Será que importa?

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