Confesso já: sou fumador. Preciso de uma dose diária de uns quantos cigarros para assegurar a minha estabilidade mental. Sem cigarros, provavelmente ganharia anos de vida mas perderia, enquanto fumador que quer ser fumador, a mais básica opção que a um ser humano deve ser dada: a total responsabilidade sobre o seu corpo; a capacidade para reflectir e decidir as acções que sobre si exerce, com as consequências que daí advêm.
Por isso, quando oiço falar numa lei que me proibirá de fumar em qualquer espaço público «fechado», dou por mim em soluços, irado e maldisposto, pronto para comprar a primeira briga que apareça vinda de um qualquer bom samaritano, hipócrita e doente, com vontades de «saúde pública». Qual será a saúde pública de um imbecil que faz uma lei destas? Quem, no seu perfeito juízo, admite como correcta a mais primária ditadura sobre cada um de nós? Numa sociedade doente e cheia de vícios (sim, vícios, energúmeno sentado na cadeira da intolerância, o que é que você chama aos 40 comprimidos que toma por dia? ou aqueloutro ali ao fundo que passa 2 horas por dia no ginásio para compensar as alarves comezainas que ingere ao almoço?), quem poderá atirar a primeira pedra?
O que está em causa, e sempre esteve, é a liberdade de uns em favor dos outros. O mundo e as suas leis caminham, se devem caminhar para algum lado, para o encontro de todas as liberdades de todos os seres, sem que para isso tenhamos de afugentar «viciados», perseguir «assassinos» ou salvar «santos saudáveis».
Que me digam que não devo (ou não posso!) fumar em todos os sítios; que não posso pôr em risco a saúde dos outros por ter um vício; que os fumadores passivos não têm culpa da minha opção pessoal, eu aceito. Que me digam que não tenho qualquer possibilidade de escolha, nem alternativa em espaços públicos «fechados» quando quiser beber um copo e fumar um cigarro, não aceito. Radicalmente, não aceito. E prefiro fugir do país a ter de fumar em barracas instaladas à frente dos prédios, como se faz no Japão. Sim, porque depois dos espaços públicos «fechados» virão as ruas, como já acontece em vários sítios do planeta. Costa Oeste dos Estados Unidos incluída, pois claro. Se nós importamos tudo dessa gente musculada, oleosa e provavelmente com um pedaço de pele do cú a fazer de bochecha, por que não importar-lhes também a mania da saúde gratuita? O fundamentalismo do sabão macaco, da eternidade em proveta? Porque não.
Em primeiro lugar, porque as leis não são feitas para viajar indecentemente sobre as fronteiras. O que tem ou pode ter sentido num país como os Estados Unidos, principalmente na Costa do Pacífico, não tem ou poderá não ter absolutamente nada a ver com a nossa realidade. São questões culturais, pois claro que são. E é melhor que o não esqueçamos nunca. O facto de devermos prezar a liberdade dos outros é universal; a assimilação de regras e o comportamento dos povos não o é. Se se faz uma lei em Portugal sobre a permissão ou proibição do tabaco em espaços públicos, que se faça uma lei que englobe a análise e compreensão da idiossincrasia nacional. Não é um manifesto de exclusão ao resto do mundo; é, antes, uma intenção de conseguirmos primeiro compreender-nos para depois sermos civilizados. Connosco e com os outros.
Depois, porque os exemplos que temos dessas sociedades não são exemplo para ninguém do que deve ser a luta por uma saúde melhor. Que espécie de perseguição é esta? E virão outras? O álcool também será proibido em espaços públicos «fechados»? A criança a chorar aos ouvidos, a meio metro de nós, será punida? O bêbedo que vem ter connosco, curar a solidão, será preso? Aquela velha, que cheira mal dos sovacos, será recambiada para alguma casa-de-banho pública? O dono do carro que não trata do tubo de escape, será ele enviado em vaivém especial pelo buraco do ozono que ele próprio criou? Aquela menina que prefere o spray ao stick? Aquele imbecil que acha os caixotes do lixo estão sempre longe de mais, não terá culpa na saúde pública dos portugueses? Ou, então, talvez faça sentido perguntarmos primeiro: o que é saúde pública?
Fechem-se áreas dentro dos espaços comerciais, dividindo-os em fumadores e não fumadores, onde os fumadores que decidirem ir para a área «saudável» assumam a sua opção e dentro da sua civilidade, não fumem. E se a não tiverem, aí sim, que sejam obrigados a abandonar o local. E o contrário também é válido: que o não fumador que entrar na zona dos fumadores não venha com tretas moralistas para os que, com todo o direito, decidem matar-se aos poucos – parece-me isto bem mais razoável, humano e - por que não dizê-lo? – apropriado a um povo como o nosso. Nós não somos melhores, nem piores; não queiram é que sejamos iguais na reacção que temos à proibição dos nossos próprios vícios.
Não chega? Que façam, então, aprovar uma lei que determina que alguns espaços são de fumadores, e outros de não-fumadores. É óbvio que é subjectivo, mas penso que bem feita, a lei poderia ter sentido, e evitar-se-ia a exclusão total de quem possui a normal (qual será a maioria?) mania de «chaparrar» em público.
No entanto, de todas as possibilidades, a que eu prefiro, não é nenhuma destas duas. Prefiro bem mais uma lei que pudesse deixar ao critério dos comerciantes (não serão eles os interessados e intervenientes principais nisto tudo?) a escolha de rotularem o seu sítio de espaço de fumo ou não. Parece-me bem mais justo que um não-fumador abdique de ir a um sítio por ser de fumo ou, pelo contrário, assuma o risco de saúde indo a um desses sítios, do que proibir o fumador de fumar em todos os locais «fechados».
Eu compreendo que num centro comercial como o Colombo ou, pior ainda, o Corte Inglês, seja proibido fumar. Não me faz confusão. Se lá quiser ir, assumo o abdicar do meu vício em prol da saúde das massas, porque aí é absurdamente compreensível. O que não aceito, nem posso aceitar, é que esta lei ridícula queira abranger TODOS os espaços comerciais «fechados». Note-se que a lei que querem aprovar inclui tascas. Não estaremos a ser um bocadinho fundamentalistas? Nós, que tanto desprezamos a ideia de repressão e que ainda não esquecemos o que de mau vivemos há menos de trinta e cinco anos?
E a ser aprovada a lei, alguém terá pensado no que essa lei traz de modificações sociais a um país como o nosso? O espaço público português, ao contrário de, por exemplo, o espaço público escandinavo, não funciona apenas em grande escala no fim-de-semana. O café, a tasca, o bar, o restaurante são espaços sociais de enorme importância para a sobrevivência quotidiana do português. Sim, do tuga. O tuga não é especial, não é melhor, não é pior, mas não é igual a todos os outros povos. É parecido, ou mais parecido, com alguns (chamando os «hermanos» de sempre, achar-se-á que em Espanha alguém tomará essa medida?). E substancialmente diferente de muitos. Importar leis sociais não é o mesmo que importar bananas ou cacau. Despoleta graves convulsões no seio das características de um povo.
Quem assume uma lei destas como essencial para o nosso país só é uma de duas coisas: ou egoísta, por ter onde fumar os seus cubanos, para além dos espaços a que o povo tem direito; ou profunda e tristemente insensível. Em qualquer dos dois casos, uma certeza: é um verdadeiro imbecil.
3 comments:
Dia 7 de Abril escrevi no meu blog um post sobre isto, o que suscitou um autêntico fumício de 34 comentários... Eh eh eh! Também preciso da minha dose. De preferência num café. O Estado terá de me indemnizar pelas neuroses causadas...
Concordo plenamente com quem chama estúpida es esta lei. Que estado de liberdade é este em que apenas uns são protegidos? Ao tirarem-nos a possibilidade de fumar em qualquer lugar público não estão a dar liberdade a ninguém. Concordo contigo quando dizes que deveria caber ao dono de cada estabelecimento decidir se tratava de um local de fumadores ou não fumadores. A partir daí, cada um poderia escolher abdicar ou não do seu cigarro - porque aí, sim, haveria escolha.
Quanto ás tascas, isto vai ser a desgraça total. Qualquer estudante ou bêbado que se preze gostar de fumar o seu cigarrito depois de uns copos a mais.
Acho que isto, em última análise, só irá prejudicar os donos dos estabelecimentos. E falo por mim: se não posso beber uns copitos e fumar uns cigarros na tasca mais reles, vou fazê-lo em casa, no jardim, no passeio, etc... Porque razão iria a uma tasca onde não posso fumar? Ou tomar um café?
O que seria de um café sem o cigarro a acompanhar?
É claro que isto é só minha opinião, que costumo fumar no jardim, ás 3 da manhã...
E viva a liberdade e a democracia! Vamos ver quanto tempo ainda vamos ter a liberdade de expressão...
Ainda bem que temos o nosso cantinho para nos juntarmos a dizer mal do governo. Mas... e o nosso café para dizer mal do governo, a fumar?
Marta, sem dúvida... a neurose paga-a o Estado.
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