Thursday, March 29, 2007
























Há uma livraria que não é uma livraria (um bazar? um sítio perdido? Um alfarrabista?) que visito regularmente que me dá uma sensação de um mundo perdido, há muitos, muitos, muitos anos. Não tem os jornais e revistas arrumados de forma ordenada, não tem uma montra apelativa, nem tem sequer um cheiro dignificante – cheira a mofo e a mijo de gato. A característica olfactiva vem – acredito – de um acumular de anos de desordem total, em que as coisas parecem atiradas todas para um canto (até os jornais diários têm ar de estar ali há muitos anos!), em que o gato vagueia por cima de tudo, descarregando as suas necessidades ao acaso, em que a própria dona – mulher sentada lendo livros por detrás do caos – encaixa, naquele quadro abstracto de matizes mil e poeira infinita.
Eu frequento aquele sítio – dizia – em dias cinzentos, quando a ordem natural das coisas me cansa, e eu preciso do cheiro de mijo a gato e livros esquecidos para que a minha desordem natural consiga sobreviver. Há a questão de comprar livros do Émile Zola ou do Kerouac a um euro, livros fascinantes em que viajei ainda mais por partir para eles com a sensação boa de quase os ter achado (e achei!), mas é mais do que isso: quando ali entro o mundo deixa de existir como mundo, a mulher não é uma mulher (é um conceito), o gato não é um gato (é um elemento que vagueia) os livros não são livros (são viagens à espera) e eu não sou eu – sou uma personagem de um romance londrino, nebuloso e poético, atirado contra a força do tempo parado. Quando eu ali entro, o mundo faz o favor de esperar.

2 comments:

SDO said...

Espectacular!!!!Agora mais a sério,amigo escreves como poucos!Grande abraço.

Helena said...

Ohhh, é tão lindo.