Tuesday, June 12, 2007

Fim de carreira

Provavelmente nunca contei isto a ninguém, mas eu já ganhei por 5 vezes a Champions League. Mentira: a Taça dos Clubes Campeões Europeus. Perdi duas finais também, mas isso deveu-se ao acumular na barriga de pães com tulicreme e manteiga, levando-me a falhar os penalties decisivos por clara dor de estômago e desconcentração na hora de apontar por duas vezes (e em dias consecutivos!) os lances capitais do jogo. A bola não quis dar-me a alegria das 6ª e 7ª taças por capricho: na primeira, saiu alta demais, esvoaçando por cima do muro, indo rebolar pela barreira abaixo, apenas parando lá no fundinho, onde o Zé Careira vivia com os dez cães; na segunda vez, eu estava avisado, e decidi – no penalty que decidia tudo – bater a bola a meia altura, com efeito para o lado esquerdo, para que ela não subisse – saiu perfeita, longe do alcance do guarda-redes, mas, infelizmente, vi-a esbarrar-se no vaso com orquídeas. “ao poste!”, gritou o guardião, e eu fiquei na zona de penalty marcado com uma bola branca de cal no chão a olhar o prédio em frente: estava perdida a segunda final da minha vida.
Apesar da desilusão por ter perdido em dias seguidos duas finais dos Campeões Europeus, sabia que o meu trajecto como jogador estava, ainda assim, muito acima do que era esperado. Tinha vencido por 5 vezes o troféu mais ansiado por todos, tinha sido considerado o melhor jogador de todas as 7 finais que havia disputado. Estava na hora de arrumar as botas.
Nesse dia em que a sorte não quis nada comigo, enquanto das varandas dos prédios as pessoas me aplaudiam de pé, enquanto o cão vinha pedir uma festa e consolar-me, no meio do pátio, em cima da linha de meio-campo, eu agradecia aquele apoio incansável ao longo de duas longas semanas àquele público fantástico, agradecia especialmente à senhora que bebia suminhos de laranja na varanda do topo sul, agradecia o apoio incansável daquela empregada que esticava a roupa na varanda da Central e, emocionado, abandonava o campo com o sentido de dever cumprido.
Abandonava o futebol já veterano. Sentia que a minha altura tinha chegado. Os meus 12 anos não me permitiam manter o nível exibicional que até ali tinha deliciado a plateia. Saía triste por abandonar o futebol, mas feliz por tudo o que o futebol me tinha dado. Tive propostas para jogar em campeonatos menores, como o campeonato semanal em Vale de Rãs e o 24 horas no pavilhão do Pego, mas achei, na altura, que o pão com chouriço e o sumol de laranja com que me acenavam para prolongar a minha carreira era insuficiente. Apesar de tentadores, não os achei suficientes para que a bola continuasse a rodar sob os meus pés. Além disso a família pedia-me encarecidamente que voltasse. Que voltasse a casa. E eu acedi. O jantar já estava frio.

5 comments:

Afonso said...

Que belas tardes no terraço,esplanada,miradouro,estádio do nº27 da Rua de Angola (cave)...E que bem que me souberam algumas dessas Taças dos Campeões que conquistei contigo e/ou "sem-tigo".Um abraço bro...PS - Este post fez-me recuar entre 15 e 20 anos (Que comentário à velho...Da-se...) e ainda bem!

Ricardo said...

em grande... :)

***

rogerAjacto said...

Epah, ainda não tinha lido este post e fui confirmar a data do meu sobre a mesma temática, embora mais mundano, para ver se havia a lisonjeira hipótese de te ter influenciado a escrevê-lo, mas não! O teu é mais antigo. É só uma feliz coincidência, afinal eram 30 quilómetros que nos separavam, mas viviamos a mesma ralidade aos 10 anos, eu entre estendedores de roupa feitos de canas que eram balizas e tu com vasos de orquídea a desempenharem a mesma função... Que importância tinha aquele jogo? Será que os pais quando chamavam para jantar pela quinta vez, não percebiam que estavamos no meio de um desafio de importância planetária?

Ricardo said...

Sim, vi o teu passados uns dias. Fant�stico! Coincid�ncia maravilhosa. Deve ser o tempo. A gente chega aqui aos 25, 26 e come�a a fazer contas. E depois vem a mem�ria dos p�tios, dos postes que n�o eram postas, do jantar � espera de n�s e n�s a adiar, a adiar, a adiar...

:)

Rui said...

Que tardes bem passadas, mesmo quando na altura dar uns chutos na bola eram tarefa árdua para mim, e passava mais tempo a saltar muros para ir buscar o esférico mal endereçado....

Partilho o que já foi aqui dito, este post, tirou-me cerca de 15 a 17 anos...

Obrigado por esta sensação de infância!