"Portuguese Day" em Wall Street. Parece que estou a ver o Teixeira dos Santos com umas chouriças ao pescoço a atirar sandes de torresmos aos engravatados lá em baixo, enquanto canta o Fado da Mariquinhas com um lenço do Minho na cabeça. As pingas do chouriço a cair nas cabeças dos americanos e um cheiro a queijo de Castelo Branco por todo o anfiteatro. "Disgusting!", diz um americano menos sensível às peculiaridades dos convidados. "Tá calado, filho da puta, antes que te enfie um pau de marmeleiro pelo wall street acima!", reage Teixeira dos Santos, visivelmente alterado por aquela falta de respeito e hospitalidade duvidosa. Nisto, parte tudo para a violência! Saltam alheiras de Mirandela, leitões aos guinchos, gente a fugir de um javali em fúria, o Nasdaq em perigo, os computadores pelo chão, dois beirões em cima dos plasmas a cortar nacos de presunto, um cheiro pestilento fruto de um alívio anal de um minhoto mais dado aos desvarios das couves tronchudas. "We have to get out of here fast! Follow me!", aponta o Rei de Wall Street, enquanto se desvia de um Galo de Barcelos em fúria. "Falas de mim? Tu falas é da puta da tua mãe, americano do caralho!", grita um boi barrosão que tranquilamente comia as impressoras, os faxes e os iphones. Broas de milho, pães de Mafra, bolas, paposecos, carcaças, uns atrás dos outros lançados pela facção dos alentejanos que por esta altura tinham aberto o garrafão de tintol no meio da arena e aprestavam-se para abrir o cestinho de verga com o farnel completo. "Do you have any kind of cheese, portuguese little guy?", questiona um engravatado já com o cabelo coberto de queijo da serra e a gravata encharcada pela gordura do presunto de Lamego. "Vai comer para o caralho, pá, isto é só para a gente" e atira o americano borda fora para a rua, onde foi atrolepado por um táxi que o deixou feito linguiça. Quando chegaram as televisões, Teixeira dos Santos, ainda desgrenhado, sujo dos pés à cabeça, com um bacalhau na mão e pedaços de feijoada a escorrerem-lhe pelo cabelo, muito calmamente afirmou: "acho que está na altura de irmos todos para casa".
Thursday, May 26, 2011
As silly seasons
Sou aquele tipo de energúmeno que chegou tarde ao fenómeno das séries. Sempre fui um vagabundo em frente à televisão: pouco fiel, pouco fiável; bastava um qualquer rabo de saia (que é como quem diz: um qualquer anúncio extraordinário) para que desistisse do programa aclamado pela maioria.
Nunca segui as séries anos a fio, esperando religiosamente todas as semanas um novo episódio - nem percebo quem consegue tal feito. Dava em doido se o fizesse. Para mim, agora que cheguei definitivamente ao mundo do seriado (gosto tanto deste lado rede record em mim), não há nada como sacar uma série no isohunt e vê-la de enchofrada (inventei agora mas parece-me ter futuro) pela madrugada adentro.
Foi assim que, nos últimos 5 meses, arrasei com o Weeds, House, Curb your enthusiasm, Sopranos e agora estou a dois do fim do Lost. Deixem-me falar-vos do Lost: uma grande ideia de gente sem unhas para manter os pratos todos no ar. Ainda não vi o final, estou a adiar para ter mais gostinho, mas esta última temporada é daquelas coisas que não deixam dúvidas a ninguém: os homens já não sabem o que fazer com aquilo, então inventam, metem coisas novas, coisas estúpidas, coisas impensáveis, coisas anormais, coisas. Para que no fim uns idiotas achem que aquilo é genial e misterioso. Chegou a ser, sim. Nas primeiras temporadas. Ah as primeiras temporadas do Lost (vêem como entrei nisto de forma apaixonada?).
A minha mulher diz-me que eu vivo as séries como uma paixão assolapada, nunca como um amor que dura no tempo. Diz que vivo em obsessão. Concordo. Mas eu também tenho mais que fazer do que andar a amar um gordo careca mafioso, uma gaja boa que vende droga, um careca judeu, um médico drogado ou um conjunto de paspalhos que vêem um fumo negro e descobrem o segredo miraculoso da existência.
E agora vou ali acabar de ver aquilo que é para, como um bom romance de férias, me esquecer logo a seguir.
Sunday, May 08, 2011
Um poema horrível
Sou feito de divergências comigo próprio
Paradoxos entre a infância e o estado adulto
entre mim e mim
sem que uma voz sobressaia e ganhe a noite.
Por exemplo: nasci em Lisboa mas fui às duas semanas viver em Abrantes
Por exemplo: vivi e cresci em Abrantes mas fui aos 17 para Guimarães, aos 18 para Lisboa (berço, berço) e aos 21 para Amadora. Aos 29, estou em Queluz e só Alguém sabe onde irei acabar.
Por exemplo: vivo num dos lugares mais populados do país e no entanto acordo sempre com o som dos pássaros e o cheiro de eucaliptos
Levanto-me, venho à janela e vejo coelhos e gatos, vejo flores, céu aberto e um sol que quer perdão
Pássaros passam em voo rasante aos olhos e há quem jure que vê a erva crescer
Eu detenho-me nos vários tons de verde que existem e não sei.
Tenho dias em que acredito que posso mergulhar da minha janela para uma piscina de verde e sair do outro lado, no centro da terra, onde vivem, angustiados, todos os que sofrem sem saber porquê
Há nisto a doce ternura de uma geografia dos sentidos mas há também a enorme imponderabilidade das coisas que desconhecemos.
Sou isto ou aquilo? Temática já por tantos adulterada e corrompida e no entanto tão pura, tão humana, tão só.
Havia momentos em que os cheiros, os sons e as imagens pareciam mais nítidas, talvez por saber menos coisas - o mundo era mundo e chegava. Hoje, fechado entre as quatro paredes do mundo burocrático, tenho ainda assim os esgares em que levanto as pedras milenares e surjo limpo de impurezas. Como se lavasse a alma. Como se, de repente, o mundo voltasse ao ponto em que um cordão umbilical me lembrasse de onde venho. Como um choro por dentro. E perco a bússola das palavras.
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