Tenho 29 anos, a idade que os velhos têm para a minha condição mental. É feio, o número, irrita-me. Não pelo passar dos anos, que eles tendem a ter essa absurda forma de ser: passam. Mas pela estética: 29. Os números não se tocam. Fechados numa cama, o "2" e o "9" serão namorados com coisas por resolver. A perna do 2, imaginando uma mulher, está em sinal de recepção ao corpo do homem, a chamada, em linguagem romantico-patética, "cadeirinha". Mas repare-se no "9", tão independente da chamada feminina, mantém-se hirto na sua posição, quase indiferente, tocando-lhe apenas nos pezinhos. 29 são dois namorados com problemas por resolver. É possível que o "9" esteja neste momento, enquanto chove lá fora e a noite faz o seu papel de transição e dilema, reflectindo sobre a sua condição, os seus problemas mais latentes, como a conta do gás, o sem-abrigo que de manhã estivera na estação de comboios e que com um olhar mais triste deixou o "9" com sentimentos de culpa, o carro que faz um barulho estranho, aquela senhora que vende flores como se fossem beijos, as calças que queria comprar, a chegada do Natal e a necessidade de rir, dar prendas e fingir uma felicidade. É possível. Ainda assim, enquanto voam nesse quarto as questões do "9", doem os choros da "2" por estarem frios e distantes os pés do seu homem. O 29 é, de facto, uma belíssima e extraordinária merda.
Já do 30 tenho medo. Se é verdade que o "0" quase se funde com o "3", a ideia que o número tem é assustadora. Se eu chegar aos 30, façam-me um favor: comprem-me uma algália.