Friday, December 21, 2007

Benfica, 3 E. Amadora, 0


Uma primeira parte vergonhosa. Digna de um Sertanense ou de um Abrantes. É isto que o Benfica tem para oferecer aos seus adeptos, depois de lhes pedir que compareçam? Para a próxima estão lá 10.000 e depois 5.000 até ficar só a família do Mantorras e o Adu a aquecer, na linha lateral.

Este jogo trouxe-nos (indirectamente) um bom motivo de análise. A diferença do futebol jogado de uma parte para a outra, traz (MAIS UMA VEZ, BURRO CAMACHO) mais uma vez o confronto de estilos e modelos de jogo. O 433, impossível com estes jogadores, contra o 442, bem mais coerente. Alguém levantou uma questão interessante: em 442 Rui Costa terá de ser preterido? Em minha opinião, não, mas colocá-lo no banco em certos jogos acho que não é heresia nenhuma, pelo contrário, Rui Costa tem de começar a ser poupado se quisermos que ele chegue até ao final da época com capacidade para desequilibrar. Em casa, a solução passa por aproveitar (CASO CAMACHO TIVESSE MAIS DO QUE UMA PUTA DE UM NEURÓNIO) o (quanto a mim, bom) trabalho em torno do losango que Fernando Santos realizou. Petit (Binya) ao centro, Katsou como interior direito, Rodríguez (mais vertical), Rui, Cardozo e Adu (acho que está na altura de lançar o americano. Como Camacho gosta de vê-lo a correr, mas do lado de fora, Nuno Gomes para segundo ponta-de-lança). Em casa, esta equipa é a melhor. Um 442 com dois médios mais defensivos e outros dois ofensivos. Nesta táctica, a capacidade de Rodriguez ser tacticamente disciplinado para ajudar o Léo e os dois médios mais defensivos é a chave. Ganharíamos poder de fogo, dinâmica para nos chegarmos à frente com mais perigo e forçaríamos o adversário a ter de recuar o trinco para posições mais defensivas, abrindo espaço para que Rui Costa (preferencialmente), Katsou e Petit pudessem aparecer a desequilibrar, os trincos mais em segundas bolas, o Rui em jogadas de progressão. Colocar Petit (Binya) e Katsouranis de perfil parece, cada vez mais, um erro crasso. O grego sobe de produção se puder subir no terreno e não ficar preso, "colado" ao trinco (hoje, com a saída de Rui Costa, notou-se a melhoria do seu jogo quando pôde ter menos amarras ao centro defensivo da equipa). Este jogo, em ida de férias, parece ter vindo na melhor altura. Dá as bases para se compreenderem as diversas opções que o plantel tem. Será que Camacho entendeu alguma coisa? Ou, no próximo jogo, voltará a apostar no seu perro e imbecil 433? Eu diria que vai continuar a marrar, qual touro de Pamplona, mas, se por um brilhante milagre, Camacho tiver hoje entendido os jogadores que tem, poderá (digo poderá) ter-se aberto uma janela de esperança sobre esta época, até agora, desastrosa. Jogadores de qualidade temos, não muitos, mas suficientes para fazermos bem melhor. Sem dúvida que a má época é responsabilidade de Camacho, por não entender as qualidades e defeitos dos jogadores que treina (ou arbitra peladinhas, não sei se treina de facto).


A questão Adu: começa a ser angustiante. Lá foi o homem aquecer 30 minutos para jogar... 10. E será que El Gordito não se lembra de outra, além dessa de o colocar na faixa esquerda? Será complicado entender que deve testar Adu como segundo ponta de lança, móvel, sobre toda a área ofensiva? Tocou 3 ou 4 vezes na bola. Numa, viu que não podia subir, e recuou para Léo, noutra fez um bom passe para o centro da área, onde estava Nuno Gomes e outra, em velocidade, fez um excelente drible e acaba por ser puxado, sem que se possa considerar penalty. Que água na boca para ver Adu jogar na Luz aí uns... hmmmm peço 25,30 minutos? Será muito? Peço 45 minutos, vá.

Di Maria, que eu tenho criticado por ser sempre primeira opção em relação a Adu, virou o jogo. Entrou muito bem, é sem dúvida um jogador com talento, e parece estar a aprender a ser jogador de equipa. De qualquer forma, o seu habitat natural é na esquerda, apesar de hoje se ter destacado à direita, com duas excelentes assistências (uma deu golo, outra Cardozo falhou). Posicionar os jogadores onde eles rendem mais e pensar uma ideia colectiva onde cada um, individualmente, renda o máximo, e a equipa, colectivamente, saiba aproveitar as várias características e qualidades dos seus jogadores. O futebol é isto. Avisem lá o Camacho.


Monday, December 10, 2007

Uma equipa em busca de ideias

A equipa venceu, mas nota-se claramente a falta de ideias por parte de Camacho. Além de lances de bola parada (como o de Petit para Luisão, na lateral, cabecear para o centro da área), dá a ideia que os treinos do Benfica são iguais aos do Abrantes, quando eu lá jogava nas camadas jovens - corrida, uns exercícios com bola, peladinha. É absurdo que esta equipa não tenha mecanismos ensaiados, tanto a defender como a atacar. A defender, defendem apenas 6 (os quatro da defesa, mas os dois trincos), o que, em 4-4-2 é um suicídio com equipas mais poderosas. Neste sistema, os alas têm de "cair" logo sobre os laterais adversários e, se for caso disso, acompanhá-los até ao nosso, e os avançados têm de servir de tampão, logo que a equipa adversária comece a construir jogo. Nada disso se vê. A atacar... bem, a atacar é o caos completo. Vale-nos termos jogadores que desequilibram, mas não há ideias treinadas de como sair a jogar. A equipa parece um mau jogador de xadrez, na entrada começa a lançar os bispos e os cavalos e a abrir peões para cima do adversário, mas depois tem de recuar porque não sabe o que fazer. As bolas perdidas nas transições ofensivas são mais que muitas, não há um único movimento interior do ala que permita que o lateral suba, os avançados não mostram entendimento na hora de um ficar mais fixo e o outro deambular. Há quem diga muito mal de Nuno Assis, eu pelo contrário acho que ele pode ser muito útil a esta equipa como "10" e, jogando onde joga (Camacho tem um atraso grave), ou seja, a extremo direito, é dos poucos que ainda se lembra de "queimar linhas", para que a superioridade numérica possa aparecer por algum lado. Binya começou bem a época, é um bom tampão de meio-campo, mas é limitadíssimo. Além disso, faz muitas faltas. Não me parece uma solução credível. Para que joguemos em 4-4-2 (o sistema que, sem dúvida, tendo Nuno Gomes e Cardozo, mais se adequa às características dos jogadores que temos) é necessário ter alas que funcionem no colectivo, que saibam atacar bem, com velocidade e técnica para ir à linha, mas que saibam também fazer diagonais e trocar com Rui Costa (esse sim, sabe bem deslocar-se a uma ala, quando vê o ala chegar-se ao meio) durante o jogo. O único que faz isso é Rodriguez. Tanto Dí Maria, Adu ou Coentrão (ainda?) não o sabem fazer. Maxi é um bom jogador se quisermos dar estrutura ao meio-campo, mas é muito mais lateral do que será algum dia ala. Gostaria de ver duas opções alternativas, e confesso que inesperadas, no Benfica, mas acho que Camacho teria de trabalhar e pensar além de fazer de árbitro nas peladinhas para que isso acontecesse: Bergessio à direita. Acho que é um jogador com características parecidas com Lisandro. Aguerrido, veloz e com capacidade para aparecer, em diagonais, na área para finalizar; Adu como segundo ponta-de-lança - a forma como aparece a finalizar parece ser mais de um homem de apoio ao atacante do que um ala. Um João Pinto, digamos assim.

Estamos na próxima eliminatória da Taça, mas ainda há muito a fazer...

Tuesday, November 27, 2007

Importa?

Não há melhor exemplo que explique o fanatismo e a irracionalidade dos adeptos de futebol (e do seu clube) do que a forma de funcionar do Benfica actual. Que importa se a equipa joga aos tropeções, sem leis, sem uma ideia minimamente construída sobre a evolução da bola em campo, que importa se Camacho erra consecutiva e permanentemente no pensamento do jogo, que importa se desloca Rui Costa para extremo direito, se joga com Luís Filipe a titular, se escolhe Maxi Pereira para acelerar o jogo à direita, que importa se Adu é imaturo para o espanhol e Di Maria não, se não entendeu a lição mais básica da equipa que é a de que Cardozo não deve nem pode jogar sozinho, feito gigantone perdido no mundo de anões, na frente de ataque… se a bola, caprichosa, teima em furar as redes adversárias a cinco minutos do fim, numa ousadia sádica e brincalhona? Sim, que importa tudo isso, se o Benfica ganha?

Camacho – já se sabe – não é nenhum génio do futebol, não o foi como jogador, não é como treinador. Camacho é, aliás, muito pouco genial em tudo o que faz, a forma emotiva e aos soluços com que gere o jogo do banco prova-o, irrefutavelmente. Corro o risco de dizer que – na teoria – eu saberia colocar as peças no rectângulo de jogo (no FM sou um génio, tenho posições e setinhas construídas de forma a que a equipa funcione na perfeição, a liberdade nas alas própria do perfume sul-americano, atacantes possantes ao estilo italiano, um criativo na zona de magia, laterais alemães, guarda-redes checo, futebol de eleição) de uma maneira muito mais inteligente do que aquela que, semana a semana, o espanhol teima em fazer, mas… que importa? Se, de repente, um guarda-redes sai desvairado da baliza, se de repente uma bola ressalta e pára na zona de penalty e encontra um central desajeitado de frente para ela e de costas para a baliza, se esse central tem cabeça de melão e calcanhar de força, se a bola vai (não sem antes sofrer um desvio para o cantinho das redes por parte do tal guardião) para a baliza, que importa? O golo foi consumado, a multidão saltou, saltaram os cachecóis, saltou aquele velho sentado no sofá, o prédio saltou, o país saltou, saltou o empate para a vitória. Importa a táctica, num momento desses? Importa. Mais cedo ou mais tarde, a táctica vai exigir explicações, mostrar-se ofendida por tão desinteressado desdém com que a brindam, com que Camacho a brinda, semana após semana. Pode, então, criticar-se Camacho? Arrisco, com a permissão dos benfiquistas, a heresia:

O plantel do Benfica resume-se a isto: três ou quatro jogadores experientes, um génio, quatro ou cinco jogadores de talento ainda por lapidar e vinte jogadores medíocres. Suficiente? Insuficiente, mas a vontade (dê-se essa valia ao espanhol) e uma luz mística do Espírito Santo têm suprido as óbvias limitações do plantel. Lembro-me várias vezes de treinadores com equipas medíocres que conseguiram ter grandes êxitos e tenho a esperança de que este seja o caso, mas não é. Camacho não consegue aproveitar o (pouco) que tem. Olhando para os jogadores à disposição, uma ideia nasce logo e chama-se 4-4-2. Com um ponta-de-lança como Cardozo e outro como Nuno Gomes, com Bergessio (eu, ao contrário da maioria, acredito neste argentino) e ainda com Mantorras, com Rui Costa com 35 anos – ou seja, necessitado de uma boa solidez atrás de si e ao mesmo tempo de largura e gente na frente para espalhar a sua arte – com um extremo esquerdo que deambula em diagonais como Rodríguez, com o génio enlatado na juventude de Adu e Di Maria (e, quem sabe, de Coentrão), com defesas sólidos e laterais ofensivos (penso em Nelson para a direita; Léo, esse, não necessita de apresentações), que sistema, meu santo protector, que sistema melhor do que o belíssimo 4-4-2, clássico ou em losango? Mas não. Camacho aposta numa espécie de 3-3-2-1. 3-3-2-1? Eu explico: 3 (Léo, David Luís e Luisão; Luís Filipe é invisível, não existe, ou quando existe é para fazer passes geniais para os atacantes adversários ou os deixar correr sozinhos até à linha de fundo) 3 (Petit, Katsouranis e Maxi Pereira (sim, Maxi é muito mais um médio defensivo no esquema de Camacho do que um extremo direito, anda para ali, a tapar buracos e a não fazer o que se lhe exige e que ele não pode dar, que é abrir na ala direita) 2 (Rodríguez e Rui Costa, deambulam os dois, e têm salvo a equipa) 1 (umas vezes Cardozo, outras Nuno Gomes, parece que a Camacho causa aversão jogarem os dois, quando obviamente são jogadores que necessitam um do outro, um porque precisa de ter alguém ao seu lado que recolha as bolas que cabeceia, outro porque sempre rendeu mais com um atacante fixo ao lado). A lógica se mandasse (mas atenção… ela foi desprezada) dir-nos-ia para aplicarmos a este grupo de jogadores um 4-4-2, mas Camacho descobriu o 3-3-2-1 e parece que vem para ficar. Tenhamos pena e compaixão. Reze-se para que a luz divina continue a iluminar estes homens, até ao dia (que não estará longe) em que a bola não entra nos últimos cinco minutos. Fica a pergunta: e nesse momento, o que fazer? Será que importa?

Friday, September 07, 2007

Lembro-me que era Sábado. Não havia no dia nada de novo. A sala estava quieta, com os vestígios de Sexta-feira em cima de uma mesa. Se parasse e olhasse com atenção, poderia adivinhar pequenos gestos que tinham sido feitos na noite anterior: o movimento dos braços e mãos a segurar cigarros, da boca para o ar, do ar para o cinzeiro, pousando a cinza na cama de vidro; uma capa de um disco parada, em cima de um sofá (o disco saindo da capa, pelas mãos levado ao gira-discos, pelo ar enchendo a sala de som); três copos com uma réstia de vinho no fundo, um no chão, outros dois juntos em frente à travessa que - imagino - seria de um bolo de chocolate; livros de poesia no chão e imaginar os livros abertos, na mão de alguém, enquanto as palavras ordenavam silêncio a quem ouvisse. Era Sábado, mas a sala estava ainda Sexta-feira. Sentei-me no sofá e fiquei imaginando mais e mais movimentos, gestos, pequenas conversas, a disposição das cadeiras, as pessoas levantando os pratos, recolhendo a cinza dos cinzeiros, arrumando os discos, limpando os copos, despedindo-se, e alguém que, em silêncio, fechou a Sexta-feira naquela sala. Levantei-me, olhei em volta. Assinei a parede: Sábado, e fui tomar banho.









Para quem chega de viagem, a vida - tal como ela era - já não existe. A transformação do mundo, enquanto estivemos fora, deu-se a uma velocidade exasperante. Nada está no lugar. As casas, os rios, a cidade vista de cima, continuam os mesmos, mas há um novo acordar: os olhos: a vida: os olhos: os olhos: os olhos. Da visão que tínhamos, sobra um resquício; o resto é novo. Viemos com as pessoas que conhecemos no horizonte e o horizonte alarga-se à nossa frente. Viemos com os lugares onde estivemos e, debaixo de nós, vemos abrir-se um e dez e mil novos poços de água, onde podemos ir para um mergulho nocturno. Da terra que deixámos (e à qual voltamos), a presença apenas de uma fronteira, de uma linha invisível de separação, já orfã dos olhares antigos. Agora, o mar abre-se-nos como se nunca tivessemos sido outra coisa senão caravela. Somos navegar e navegamos. Dentro e fora de nós, navegamos. E viajamos e vagueamos e vagabundeamos. E anoitecemos e amanhecemos e renascemos. Todos os dias. Os países somos nós.

Monday, July 16, 2007

Um mês e uma semana de puro sonho

Vou tentando escrever ao longo do caminho, para que acompanhem a viagem o melhor possível. Não prometo muito, porque não sei qual a disponibilidade para, primeiro, escrever, segundo, passar a matéria escrita para aqui; mas prometo empenho, caros amigos, empenho. O resto é... sonho.

Friday, June 29, 2007

Pode por vezes parecer que o “monstruário” não desaparece. Pode parecer que o voo é rasante àquilo que fica entre as costelas, para mais tarde se revelar. O ritmo descoordenado, arritmia em solfejo, mas o dom de sangue ninguém lho pode tirar. Entre murmúrios, antes de nascer, caminhou resistente para um sol que já não era. E parece que não tem fim essa música ecoando, batendo asas no dentro de dentro que é ele por dentro. Um som. Um tiro. E então pode ser que o monstro obituário tenha chegado ao fim da linha. Mas não há cura para este compassado entristecer na noite que, por dentro, diz segredos a quem quer ouvir.

Monday, June 18, 2007

É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz nocoração
Mas pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
É preciso um bocado detristeza
Senão, não se faz um samba não
Senão é como amar uma mulher só linda
E daí?
Uma mulher tem que ter
Qualquer coisa além de beleza
Qualquer coisa de triste
Qualquer coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudade
Um molejo de amor machucado
Uma beleza que vem da tristeza
De se saber mulher
Feita apenas para amar
Para sofrer pelo seu amor
E pra ser só perdão
Fazer samba não é contar piada
E quem faz samba assim não é de nada
O bom samba é uma forma de oração
Porque o samba é a tristeza que balança
E a tristeza tem sempre uma esperança
A tristeza tem sempre uma esperança
De um dia não ser mais triste não
Ponha um pouco de amor numa cadência
E vai ver que ninguém no mundo vence
A beleza que tem um samba, não
Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração
Eu, por exemplo, o capitão do mato
Vinicius de Moraes
Poeta e diplomata
O branco mais preto do Brasil
Na linha direta de Xangô, saravá!
A bênção, Senhora
A maior ialorixá da Bahia
Terra de Caymmi e João Gilberto
A bênção, Pixinguinha
Tu que choraste na flauta
Todas as minhas mágoas de amor
A bênção, Cartola, a benção, Sinhô
A bênção, Ismael Silva
Sua bênção, Heitor dos Prazeres
A bênção, Nelson Cavaquinho
A bênção, Geraldo Pinheiro
A bênção, meu bom Cyro Monteiro
Você, sobrinho de Nonô
A bênção, Noel, sua bênção, Ary
A bênção, todos os grandes Sambistas do Brasil
Branco, preto, mulato
Lindo como a pele macia de Oxum
A bênção, maestro Antonio Carlos Jobim
Parceiro e amigo querido
Que já viajaste tantas canções comigo
E ainda há tantas por viajar
A bênção,Carlinhos Lyra
Parceiro cem por cento
Você que une a ação ao sentimento
E ao pensamento
Feito essa gente que anda por aí
Brincando com a vida
Cuidado, companheiro!
A vida é pra valer
E não se engane não, tem uma só
Duas mesmo que é bom
Ninguém vai me dizer que tem
Sem provar muito bem provado
Com certidão passada em cartório do céu
E assinado embaixo: Deus
E com firma reconhecida!
A vida não é brincadeira, amigo
A vida é arte do encontro
Embora haja tanto desencontro pela vida
Há sempre uma mulher à sua espera
Com os olhos cheios de carinho
Ponha um pouco de amor na sua vida
Como no seu samba
A bênção, a bênção, Baden Powell
Amigo novo, parceiro novo
Que fizeste este samba comigo
A bênção, amigo
A bênção, maestro Moacir Santos
Não és um só, és tantos como
O meu Brasil de todos os santos
Inclusive meu São Sebastião
Saravá!
A bênção, que eu vou partir
Eu vou ter que dizer adeus
Ponha um pouco de amor numa cadência
E vai ver que ninguém no mundo vence
A beleza que tem um samba, não
Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração
Samba de Benção, Vinicius de Moraes

Tuesday, June 12, 2007

Fim de carreira

Provavelmente nunca contei isto a ninguém, mas eu já ganhei por 5 vezes a Champions League. Mentira: a Taça dos Clubes Campeões Europeus. Perdi duas finais também, mas isso deveu-se ao acumular na barriga de pães com tulicreme e manteiga, levando-me a falhar os penalties decisivos por clara dor de estômago e desconcentração na hora de apontar por duas vezes (e em dias consecutivos!) os lances capitais do jogo. A bola não quis dar-me a alegria das 6ª e 7ª taças por capricho: na primeira, saiu alta demais, esvoaçando por cima do muro, indo rebolar pela barreira abaixo, apenas parando lá no fundinho, onde o Zé Careira vivia com os dez cães; na segunda vez, eu estava avisado, e decidi – no penalty que decidia tudo – bater a bola a meia altura, com efeito para o lado esquerdo, para que ela não subisse – saiu perfeita, longe do alcance do guarda-redes, mas, infelizmente, vi-a esbarrar-se no vaso com orquídeas. “ao poste!”, gritou o guardião, e eu fiquei na zona de penalty marcado com uma bola branca de cal no chão a olhar o prédio em frente: estava perdida a segunda final da minha vida.
Apesar da desilusão por ter perdido em dias seguidos duas finais dos Campeões Europeus, sabia que o meu trajecto como jogador estava, ainda assim, muito acima do que era esperado. Tinha vencido por 5 vezes o troféu mais ansiado por todos, tinha sido considerado o melhor jogador de todas as 7 finais que havia disputado. Estava na hora de arrumar as botas.
Nesse dia em que a sorte não quis nada comigo, enquanto das varandas dos prédios as pessoas me aplaudiam de pé, enquanto o cão vinha pedir uma festa e consolar-me, no meio do pátio, em cima da linha de meio-campo, eu agradecia aquele apoio incansável ao longo de duas longas semanas àquele público fantástico, agradecia especialmente à senhora que bebia suminhos de laranja na varanda do topo sul, agradecia o apoio incansável daquela empregada que esticava a roupa na varanda da Central e, emocionado, abandonava o campo com o sentido de dever cumprido.
Abandonava o futebol já veterano. Sentia que a minha altura tinha chegado. Os meus 12 anos não me permitiam manter o nível exibicional que até ali tinha deliciado a plateia. Saía triste por abandonar o futebol, mas feliz por tudo o que o futebol me tinha dado. Tive propostas para jogar em campeonatos menores, como o campeonato semanal em Vale de Rãs e o 24 horas no pavilhão do Pego, mas achei, na altura, que o pão com chouriço e o sumol de laranja com que me acenavam para prolongar a minha carreira era insuficiente. Apesar de tentadores, não os achei suficientes para que a bola continuasse a rodar sob os meus pés. Além disso a família pedia-me encarecidamente que voltasse. Que voltasse a casa. E eu acedi. O jantar já estava frio.

Monday, May 21, 2007

Era Dezembro e toda a gente falava numa «provável precisão de presentes». Eu não entendia a precisão provável, mas entendia a palavra «presentes». A árvore grande no canto parecia-me um monstro com mil bolas nas mil mãos e pernas finas, juntas, dentro de um vaso. Era provável que se precisasse de presentes, mas a comida ainda não estava na mesa. Eu olhava as bolas vermelhas nas mãos do monstro e toda a gente ria e falava em coisas que tinham santos, Jesus, e o menino sobre as palhas deitado. Era provável que precisasse de uma cama nova, mas o cabrito – ao que se sabe – estava de morrer. Depois dos corpos estarem bem nutridos com doces, deus e a provável azia dos enfeites vinícolas, eis que alguém relembrou a mesa que urgia a “provável precisão de presentes». Eu entendi a última palavra e fui-me sentar debaixo do monstro a comer alguns dos seus – seres de barrete vermelho que sabiam a chocolate. Quando os presentes jaziam em cima de cadeiras e um cemitério de papéis e laços inundava o chão, foram todos para a cama dormir mal e sonhar com os presentes que deviam ter recebido, reflectindo sobre o desconhecimento triste que todos os outros tinham de cada um. Era provável que a precisão fosse outra, pensei. Mas como eu não conhecia as palavras «provável» e «precisão», brinquei com o carrinho azul até de manhã.

Thursday, May 10, 2007

A liberdade é que é! A democracia é que é! O direito de voto é que é! A igualdade é que é! Perdemos? Abaixo a Democracia! Bora queimar carros!

Há coisas que eu não entendo: os meus olhos vêem, de facto, na televisão imagens de carros queimados nas ruas de Paris; os meus ouvidos ouvem, com toda a certeza, que os responsáveis por esses mesmos actos são os que não aceitam que Sarkozy tenha ganho as eleições; sinto que a notícia é invariavelmente dada como “apenas” mais uma confusão gerada por um núcleo “pequeno” de arruaceiros e dizem-me que, na sua maioria, o grupo é constituído por imigrantes em França que – ressalve-se o subtil pormenor – dias antes tiveram o direito de exercer a sua opinião, votando em quem bem quisessem e em quem achassem que defenderia da melhor forma os seus interesses.
A juntar a esta informação que me chega aos sentidos diariamente há também o passado político e ideológico de quem comete a façanha: gente que defende a igualdade entre os vários grupos culturais e étnicos da França de todas as liberdades; que defende, acima de tudo, o valor da democracia.
Penso. Juro que penso. Reflicto, mas há qualquer coisa que persiste em conflito. Será que queimar carros todos os dias é uma forma legal de afirmar convicções? – fico ruminando, ingenuamente, enquanto os órgãos de comunicação vão procurando atenuar a notícia.
Eu já disse várias vezes que não tenho escolha política. Não quero. Cheira mal. Sabe-me a azedo. Eu não hei-de chutar com o pé direito nem receber a bola de pé esquerdo, estou, aliás, bastante fatigado com esta questão de ter de ser de alguma coisa, de ter de escolher. Eu não escolho e não me importo nada com isso. Mas façam-me um favor: se é para reprimir idiotas, ao menos reprimam com método.


Wednesday, May 09, 2007

A nova era da democracia hipócrita

O atentado inqualificável por parte de uma nova elite moralista, que emerge por todos os lados do globo, chegou a Portugal. Afinal não estamos na cauda do mundo. E se fazemos leis contra os fumadores, que as façamos ainda mais rígidas, discriminatórias e hipócritas!
João Pereira Coutinho disse e bem:

«Em 1959, o filósofo Isaiah Berlin publicou um ensaio que se transformou em peça clássica do pensamento político. Intitula-se ‘Two Concepts of Liberty’ e, para resumir uma longa conversa, Berlin escrevia que, historicamente falando, é possível divisar dois conceitos de liberdade que, semelhantes na aparência, acabaram por evoluir em sentido contrário. De um lado, o conceito de liberdade ‘negativa’, caro aos liberais clássicos (como Stuart Mill), e que procura definir o espaço onde eu posso agir sem a coacção de terceiros.
Do outro, o conceito de liberdade ‘positiva’, onde a preocupação já não está no espaço do agente, mas na acção do agente: uma acção considerada livre se for racional. Berlin explica como o segundo conceito, estimável na teoria, acabou por ser usado e abusado por ditadores de toda a espécie, que em nome da liberdade ‘real’ se propuseram a ‘libertar’ os seres humanos rumo ao caminho da autonomia e do bem. Mas não é preciso citar casos extremos: as versões de paternalismo «soft», que a Europa importou com vigor, são o melhor exemplo deste vírus. A liberdade, na cabeça do nosso escol político, não significa agir sem coacção. Significa agir com a voz do dono.
Um dos exemplos mais explícitos do abuso está, naturalmente, no combate ao tabaco. Claro que o combate ao tabaco seria impensável sem o declínio das teologias tradicionais: se Deus não existe, o corpo é tudo o que nos resta. Não é por acaso que Lisboa se prepara para receber uma exposição macabra, feita com cadáveres chineses, onde é possível admirar (com nojo) os efeitos do fumo no organismo. E não é por acaso que a Alemanha nazi — um regime totalitário e ateu — se notabilizou nas campanhas antitabágicas, que sobreviveram ao Reich e são hoje repetidas por papagaios sem vergonha. Mas o combate aos fumadores, e as medidas iliberais que o Parlamento aprovou sem um espirro de hesitação, é também a forma mais velha de negar aos seres humanos o que é autenticamente deles: a possibilidade de viverem por sua conta e risco, assumindo as rédeas da sua própria mortalidade

Monday, May 07, 2007

When A Blind Man Cries












If you're leaving close the door.

I'm not expecting people anymore.

Hear me grieving, I'm lying on the floor.

Whether I'm drunk or dead I really ain't too sure.

I'm a blind man, I'm a blind man and my world is pale.

When a blind man cries, Lord, you know there ain't no sadder tale.


Had a friend once in a room,

had a good time but it ended much too soon.

In a cold month in that room

we found a reason for the things we had to do.

I'm a blind man, I'm a blind man, now my room is cold.

When a blind man cries, Lord, you know he feels it from his soul.



Deep Purple

Friday, May 04, 2007

Os Sonhadores (Les Innocents), 2003, Bernardo Bertolucci

Nunca um filme me parecera mais certeiro e corrosivo, no que à discrepância entre ideologia e acção concerne. O mundo está cheio de falsos salvadores; gente muito inteligente, muito preocupada, com referências barbudas na parede do quarto, vermelhos insinuantes lembrando passados bélicos, enquanto espera o cheque do papá no final do mês.
Em “Sonhadores”, de Bertolucci, é isso que se vê, e se revê. E revemo-nos. Não há forma de assobiarmos para o lado. Aqueles somos nós; nascidos de uma voz interior que busca a verdade, influenciados por lutas da geração anterior, temo-nos como heróis dos nossos dias, fugindo ao sistema que já nos fugiu. E então fingimos. Sentados nas poltronas da classe burguesa em ruínas, fumamos muitos cigarros, e dizemos coisas inteligentes para disfarçar a nossa total vacuidade de objectivos. Conhecemos a fundo o Maio heróico, e o Abril de epopeia floral, mas nunca os vivemos; lemos muito sobre as lutas nas montanhas, e até fantasiamos sobre a possibilidade de humanidade, mas não sabemos o que isso quer dizer; Sim! Dylan, Doors, Joplin, Hendrix! No quarto, ouvimo-los embevecidos e achamos – com ternurenta ingenuidade! – que um dia. Achamos que um dia.
Bertolucci traz-nos o cenário perfeito: Paris, 68. O ícone da luta. Uma família de classe alta, em casarão burguês, vive os seus dias, alheada da realidade das ruas. Um pai, escritor, escreve para si e para a sua inteligência. A mãe não existe; é território do vácuo, entregue à lida da casa, ao amor (ou nem isso!) aos filhos, e fidelidade ao marido. Os filhos, irmãos siameses, dedicam os dias a um mundo de ilusão, entretidos em jogos de poder e sedução, muito em desacordo com o pai, embora feitos da mesma matéria, e copiando-o descaradamente, ainda que o não saibam. Até que um dia.
Vendo-se a sós – os pais desapareceram, a luta das ruas é coisa para operários! – os irmãos bebem vinhos caros da garrafeira do papá e gastam o dinheiro que este lhes deixou. Saem de casa para a Cinemateca, e desta para casa. O cinema permite-lhes a ilusão da memória. Conhecem um americano, e levam-no para casa. Sempre vem da terra de Hawks, e é perfeito para a consolidação da superioridade gaulesa sobre a estupidez do Tio Sam. Mas enganam-se. Às constantes referências cinematográficas, o americano (tranquilo) responde-lhes com outras (interessante a discussão à volta de Keaton e Chaplin).
Os dias não passam disto. Os nossos sonhadores envolvendo-se, física e mentalmente, em jogos. Jogos de ruínas, jogos de emoções em ruínas, de ideias em ruínas. Até que um dia.
O americano traz a luz à discussão. Pergunta ao francês o que fazem os posters de Mao e Che na parede, visto que a luta das ruas lhe é totalmente desinteressante. O francês não quer ouvir. Prefere ler muito, e beber os vinhos do pai. Até que um dia.
Quando a francesa, vendo o cheque que os pais lhes haviam deixado enquanto dormiam, decide uma morte em conjunto – sem que os outros saibam – o inevitável acontece: uma pedra parte as vidraças da casa senhorial, e eles acordam. Todos. Não havia volta a dar. Teriam, inevitavelmente, de tomar posição. Saem e uma manifestação na rua. Envolvem-se na multidão e, extasiados pela massa humana que os rodeia, fazem desaparecer o seu estatuto de classe burguesa e fundem-se na luta operária pela liberdade. O francês, toldado por anos de inactividade, o que quer é confrontação e violência. Agride os polícias, foge, e o filme acaba ao som de um herói musical americano, enquanto a polícia avança sobre os detractores.
No entanto, um pouco antes, o americano dissera ao francês: A violência não é solução. Não podemos usar as mesmas armas deles. As nossas armas são a inteligência e o coração.
Quem diria? Um americano a dar lições de moral a um francês. O mundo estava em ruínas.
O mundo está em ruínas. Passaram por nós 39 anos. Nós somos aqueles. Nós somos os sonhadores em sonho alheio. Perdidos por uma falta de sonho tangível gritante, repescamos os sonhos dos outros, e somos sonhadores em segunda mão. Os ideais dos nossos pais são os nossos e, tal como eles, perdemos a luta. Perdemos os sonhos.

Tuesday, April 24, 2007







Prefiro as críticas de cinema, as crónicas e os desvarios virtuais do Pedro Mexia aos seus poemas. Acho aquela poesia urbana interessante, mas longe de seduzir à exaustão. No entanto – e é sinal que me marcou de alguma forma – retenho trechos de poemas, ideias, pensamentos desse “Eliot e outras observações”. Uma observação mais recorrente é daquele poema que diz que até as linhas traçadas sobre a porta do metro podem dar companhia aos homens sós. Está bem desvendado, o enigma. Numa ou duas frases fica descodificada a solidão, assim, sem meias tintas, sem lugar para a explicação.

Os homens que vão habitando os cubículos do metro, alugando viagens esporádicas de 30 minutos, 10 minutos, 5 minutos, são pessoas com medo. Umas fingem dormir, com a cabeça tombando em soluços, outras lêem, descolando a retina enquanto o pulsar metódico do trem nos carris vai embalando a manhã, outros olham. No vazio, olham. As portas do fundo, o reflexo na janela, as tais linhas do metro sobre as portas, as unhas, a magnifica arquitectura dos pés, a estrondosa arte com que foi fabricado o tecto. Limpam as calças com uma mão rasante, vêem as horas segundo a segundo, coçam-se, atam os sapatos, descobrem uma borbulha interessantíssima no braço esquerdo – que os distrai o tempo exacto até saírem dali, fugirem, verem o céu, poderem olhar de frente as coisas, os animais, as pessoas como eles, que de repente esqueceram as unhas, os pés, a arquitectura do metal dos bancos, o jornal, o sono, a dor. Esqueceram-se de repente que tinham e têm medo. Sempre.

Thursday, March 29, 2007
























Há uma livraria que não é uma livraria (um bazar? um sítio perdido? Um alfarrabista?) que visito regularmente que me dá uma sensação de um mundo perdido, há muitos, muitos, muitos anos. Não tem os jornais e revistas arrumados de forma ordenada, não tem uma montra apelativa, nem tem sequer um cheiro dignificante – cheira a mofo e a mijo de gato. A característica olfactiva vem – acredito – de um acumular de anos de desordem total, em que as coisas parecem atiradas todas para um canto (até os jornais diários têm ar de estar ali há muitos anos!), em que o gato vagueia por cima de tudo, descarregando as suas necessidades ao acaso, em que a própria dona – mulher sentada lendo livros por detrás do caos – encaixa, naquele quadro abstracto de matizes mil e poeira infinita.
Eu frequento aquele sítio – dizia – em dias cinzentos, quando a ordem natural das coisas me cansa, e eu preciso do cheiro de mijo a gato e livros esquecidos para que a minha desordem natural consiga sobreviver. Há a questão de comprar livros do Émile Zola ou do Kerouac a um euro, livros fascinantes em que viajei ainda mais por partir para eles com a sensação boa de quase os ter achado (e achei!), mas é mais do que isso: quando ali entro o mundo deixa de existir como mundo, a mulher não é uma mulher (é um conceito), o gato não é um gato (é um elemento que vagueia) os livros não são livros (são viagens à espera) e eu não sou eu – sou uma personagem de um romance londrino, nebuloso e poético, atirado contra a força do tempo parado. Quando eu ali entro, o mundo faz o favor de esperar.

Monday, March 26, 2007

Os meus 10 GRANDES PORTUGUESES







































O GRANDE (CROMO) PORTUGUÊS

Num país a cair de podre em vários domínios governativos, não podia ser outro o vencedor: um ditadorzeco podre e com falta de equilíbrio na hora de sentar o rabinho na cadeira.
A insatisfação reinante em relação aos sucessivos governos desde 1974 e a total desconfiança nas capacidades sinceras dos políticos em fazer realmente deste país algo mais do que um macaco da república das bananas com a gravatinha da União Europeia, vieram provar-nos (como se não soubessemos já!) que até um medíocre ditador pode "ganhar" a Pessoa, Aristides de Sousa Mendes, D. João II, Camões, Infante D. Henrique, entre outros.
É lógico que nestas votações os mais votados costumam ser os mais recentes. Tem lógica que assim seja. E é por isso que nos três primeiros lugares ficaram três personalidades do século XX Português (excelente 3º lugar para Aristides: tinha ideia que pouca gente o conhecia em Portugal...pelos vistos, nem tanto assim).

A escolha do homem de Santa Comba Dão não demonstra grande inteligência ou cultura história por parte de muitos portugueses, mas vem revelar uma tendência: as pessoas preferem despotismo a insegurança; ordem a anarquia social. É preocupante a escolha, não o é a motivação.

Há ainda um factor que me preocupa nesta democracia, e vem do lado comunista: Odete Santos é um papagaio contínuo. É de uma "peixeirada", como diz o Rui, atroz. É ridícula. Mas nem é isso que me preocupa mais. Acho profundamente irritante e incongruente que uma mulher que supostamente apela aos instintos democráticos dos portugueses se levante - na hora do anúncio do primeiro classificado - e diga esta coisa aberrante: "É proibido o incentivo público ao fascismo!!!". Se Cunhal ganhasse... não seria proibido o incentivo público ao comunismo? É que ainda ninguém se esqueceu de Estaline. Gulag, Sibéria, 18 milhões de mortos... está recordada, Odete Otária?

O grande despautério da democracia é este mesmo: votar até num homem que não permitiria uma votação deste tipo. É assim o jogo. Se o quisermos jogar, jogamos; se não... volta-se ao Estado Novo e começa-se uma vez mais a lutar contra todo o tipo de atentado Às liberdades individuais. A História é cíclica e a estupidez eterna...

Thursday, March 22, 2007


Estilo






– Se eu quisesse, enlouquecia. Sei uma quantidade de histórias terríveis. Vi muita coisa, contaram-me casos extraordinários, eu próprio… Enfim, às vezes já não consigo arrumar tudo isso. Porque, sabe?, acorda-se às quatro da manhã num quarto vazio, acende-se um cigarro… Está a ver? A pequena luz do fósforo levanta de repente a massa das sombras, a camisa caída sobre a cadeira ganha um volume impossível, a nossa vida… compreende?… a nossa vida, a vida inteira, está ali como… como um acontecimento excessivo… Tem de se arrumar muito depressa. Há felizmente o estilo. Não calcula o que seja? Vejamos: o estilo é o modo subtil de transferir a confusão e a violência da vida para um plano mental de uma unidade de significação. Faço-me entender? Não? Bem, não aguentamos a desordem estuporada da vida. E então pegamos nela, reduzimo-la a dois ou três tópicos que se equacionam. Depois, por meio de uma operação intelectual, dizemos que esses tópicos se encontram no tópico comum, suponhamos , do Amor ou da Morte. Percebe? Uma dessas abstracções que servem para tudo. O cigarro consome-se, não é?, a calma volta. Mas pode imaginar o que seja isto todas as noites, durante semanas ou meses ou anos? (…)

Herberto Helder, in Os Passos em Volta, 1963

Sunday, February 25, 2007

O Senhor Ventura, 1943, Miguel Torga




O alentejano rude, corajoso e sonhador que parte para Lisboa é um homem para o qual o espaço que o envolve é já demasiado pequeno para o mundo que possui no interior do seu sangue. Há um oceano de vontades no coração daquele homem. Não é – como alguém quis fazer entender – um Portugal desanimado nas suas entranhas e animado para uma diáspora. Este homem, se personifica alguma coisa, personifica, antes, a ideia de um país com uma alma demasiadamente grande para o território que ocupa. Transborda-se-lhe alma. Não é um ser frio, agarrado aos ideais e às loucuras; é um emotivo tolo, um louco em busca do que os seus sonhos imaginam. Há nele um canto mais alto, uma vontade suprema, a fisiologia de um guerrilheiro, enquanto vagueia por terras orientais, forjando, matando, consolando, amando. Este homem é como nós e não é como nós: o seu espírito envolve-se com a realidade num todo, paradoxo realista de que a nossa vida (a de todos) se distancia. O contacto feroz entre o real e o sangue, neste Senhor Ventura, ultrapassa-nos, comove-nos, humilha-nos. Nós não somos o Senhor Ventura. Para o bem e para o mal. E no entanto, que vontade de o sermos…
Ao longo do livro a ideia de que a personagem é linear adensa-se até meio; a partir daí notamos a sua total volatilidade, o seu humanismo desenfreado, mal construído, incongruente. Dilacerante, desconcertante. O Senhor Ventura desconchava toda a possibilidade de perfil exemplificativo: é um louco cirandando ao ritmo das suas loucuras, um anjo viril, um assomo de bestialidade e poesia.
Não há, no livro, outro trecho que de forma tão certeira nos apresente o Senhor Ventura do que aquele em que o autor nos revela a estupefacção de Tatiana – mulher inteligente, mas desprovida de emoção e generosidade – ao entender a substância de que é feito o alentejano da diáspora:
“A mulher olhou-o demoradamente. Não era fácil de compreender semelhante mistura de ferocidade e traficância, grandeza e lealdade. A sua inteligência fina, perspicaz, esbarrava diante de tamanho muro. Não quisera ou não pudera amá-lo. E sem amor não se podia entender nenhuma criatura.”

Repito: e sem amor não se podia entender nenhuma criatura.

Saturday, February 24, 2007

Eu ouvi aquele tipo falar, falar, falar. Durante duas horas ouvi o tipo falar. Dissertou sobre a política nacional, autarquias perdidas por clara ingenuidade diplomática, congressos, discussões, parvoíces, troca-tintas, insultos, depressões, conflitos e muito che guevara para sobremesa, que fica sempre bem.
Quando a conversa acabou, não acabou. Seguiu os seus meandros obscuros, incidiu-se sobre a política internacional, gente com tachos, pequenos latifúndios, grandes latifúndios, pobreza em massa, massa sem pobreza, quejandos que tais e muita, mas muita, eu disse muita, retórica verborreica, que é como quem diz diarreia pela boca. Aos rodos.
A minha barba fez questão de se mostrar desconfortável e eu fingi que compreendia tudo, aceitava tudo, concordava com tudo, e ia fumando cigarros agarrado ao volante, para que alguma coisa me lembrasse que o mundo não era aquilo.
Do outro lado do real, uma música insinuava-se. Começava com uma batida suave, samba em progressão, depois uma guitarra de acordes descoordenados, anjos lambendo as cordas, uma voz quente, feminina, um grito ancestral, e o mundo de repente tão perfeito outra vez, o mundo no seu início. A estrada é o melhor refúgio.

Sunday, February 18, 2007

A Rosa de Hiroxima





Pensem nas crianças

Mudas telepáticas

Pensem nas meninas

Cegas inexatas

Pensem nas mulheres

Rotas alteradas

Pensem nas feridas

Como rosas cálidas

Mas oh não se esqueçam

Da rosa da rosa

Da rosa de Hiroxima

A rosa hereditária

A rosa radioativa

Estúpida e inválida

A rosa com cirrose

A anti-rosa atômica

Sem cor sem perfume

Sem rosa sem nada.


Vinicius de Moraes
MEMORIA DE LA CARNE

Por la noche, con la luz apagada,
miraba a través de los cristales,
entre los conocidos huecos de la persiana.
Como un rito o una extraña costumbre,
la escena se repetía, día tras día,
igual siempre a sí misma.
Frente a frente, su ventana,
la veía aparecer y bajo la tenue claridad de la luz,
lentamente, irse haciendo desnuda.
Sus ropas caían sobre la silla,
primero grandes, luego más pequeñas,
hasta llegar al ocre color de su cuerpo.
Andando o sentada, sus movimientos tenían
la inútil inocencia del que no se cree observado
y la imprevista ternura del cansancio.
Cuando todo volvía a la oscuridad,
los apresurados golpes del corazón
se aquietaban, con una sosegada prontitud.
De quien así ocultamente deseé,
nunca supe su nombre
y el romper de su risa es aún el vacío.
Sin embargo, allí, en la perdida frontera de los catorce
[años,
por encima del Latín imposible
y de los misteriosos números de la Química,
el temblor detenido de mis manos,
la turbia fijeza de mis ojos sobre ella, permanecen,
dando fe de aquel tiempo, memoria de la carne.

De "A través del tiempo", Juan Luis Panero